No jardim do REI GIGANTE havia muitas flores belas e perfuma das.
Pássaros cantores completavam o encanto daquele lugar, com as suas
vozes melodiosas, formando uma verdadeira orquestra sinfôni-ca. Colibris de várias
cores,
com os seus beijos fecundos, sugavam o néctar das flores, e as
borboletas garantiam um colorido multicor àquele bosque encantado.
Eram flores lindas semelhantes às estrelas. Flores exuberantes e
flores
singelas, mas que, na mistura de seus perfumes umedecidos pelos pingos de
orvalho, transportavam um pedacinho do céu para a terra.
Mas, um dia, o rei, que vivia nos seus confortáveis aposentos, re-solveu
dar uma volta nos jardins do castelo, encontrando-o repleto de
pássaros, borboletas que faziam daquele lugar o seu habitat na-tural.
Porém, o rei, que era extremamente egoísta, sentiu-se enciumado e
mandou cercar de tela toda a extensão do seu jardim, expulsan-do os
seus moradores, dizendo: - Isto tudo é meu e não vou dividi-lo
com estes pássaros e
borboletas. As flores, mandei plantá-las para o deleite dos meus olhos.
As flores ficaram tristes sem a presença e melodia dos pássaros, o beijos dos colibris e o carinho das asas das borboletas. A primavera não
mais veio
sobre aquele jardim, o verão desapareceu, não tra-zendo o
seu calor nem o
encantamento do sol; o outono não deu mais frutos. Só o inverno
prevaleceu
e, com ele, a neve que cobria a relva com o seu manto branco e a geada, tudo
destruía. Sem es-quecer da chuva de granizo que atingia
até o Palácio Real.
Tudo ficou triste e insuportável.
O rei, não suportando mais aquela melancolia e a tristeza que foi tomando conta da sua vida, resolveu visitar o jardim na busca de
qualquer alento.
Vendo a destruição total, buscou um sinal de vida e, num
dos luga-res
mais afastado, viu uma única roseira com uma rosa que havia conseguido
vencer as intempéries do mau tempo e do seu egoísmo. Era uma rosa diferente.
O rei, olhando para aquela roseira com sua rosa tão simples e
pura que brotara
no meio do nada, sentiu-se pro-fundamente comovido. Achegando-se, curvou-se
sobre aquela rosa e o seu coração, nesse momento, foi amolecendo. Pediu à
rosa que não o deixasse, e ela abriu mais uma pétala num gesto de amor para
com aquele rei, que, mesmo tendo sido tão egoísta, fora tocado pela sua
bondade. Afinal ele não passava de um pobre infeliz, solitário. E o rei
pensou: - Como tenho sido egoísta! Agora eu sei porque a primavera não veio,
o sol não deu o seu calor e o outono não deu os seus frutos. Vou tirar
as telas e deixar que os pássaros e borboletas voltem a povoar o meu jardim
em reconheci-mento à fidelidade desta rosa que não me abandonou.
Ao amanhecer, o rei ouviu uma linda música e
pensou: a primavera
chegou! Mas era um pequeno curió que viera saudar a flor solitária
que havia
permanecido naquele jardim por amor àquele rei que se considerava
gigante.
E ele, que nunca havia observado a beleza do cantarolar dos pássaros, nem
cheirado uma flor, nem percebido a ternura do beijo dos
colibris, sugando o
néctar das flores, pois, até então, estivera cego, com os
olhos voltados para
as coisas materi-ais, começou a despertar para a subjetividade. Passou, diariamen-te, a ser atraído pelo canto do curió, vindo visitar a sua rosa.
O amor havia nascido no coração daquele homem. O tempo foi mu-dando a sua forma de vida. A suavidade do luar prateado, a relva que
começava a
brotar ofereciam-lhe uma doce magia no silêncio de cada canto. As
orquídeas caprichosas começavam a desatar as suas pétalas para suavizar a
aridez do coração daquele rei, que já não era o mesmo. E o rei,
com o coração descompassado, resolveu declarar-se a sua rosa.
Pensou: - Vou perguntar por que só ela permaneceu ali. Vou dizer que
ela me conquistou, eu a amo, não posso mais viver sem ela. Aquele
momento,
para o rei, foi como uma eternidade. Estava de alma aberta, pois a
linguagem tem uma só pátria, o coração. Mas, ao aproximar-se do canteiro
da sua roseira, ela havia desapareci-do. Haviam brotado outras, de formas diversas e
cores
extraordiná-rias, mas não era a sua rosa. Para ele, ela era
insubstituível. E o
rei chorou de saudade. Sentiu-se pequeno, ninguém, apesar
de o chamarem
de Gigante. Porém, manteve viva a esperança de rever a sua rosa. Regava,
diariamente, as outras roseiras, deliciava-se com o lindo
cantarolar dos pássaros.
Passaram-se anos e anos, e o rei, já envelhecido, mas com
o cora-ção novo, via a vida com outros olhos. Certo dia, foi despertado pelo
seu amiguinho, o curió, mas desta vez, o seu cantar era dife-rente. E o rei
pensou: Como seria bom se a minha rosa tivesse vol-tado. O vento, com as suas
ondas sonoras, deve ter levado a men-sagem até a sua rosa. E ele sentiu uma
harmonia, um perfume di-ferente, seguiu para o jardim e lá estava ela, tal
qual a vira pela primeira vez. O seu coração disparou! Refazendo-se da maravilhosa surpresa, sentiu-se extasiado ao
contemplá-la e, aproximando-se, a interrogou:- Por que você me
abandonou? Ela respondeu:- Eu não lhe abandonei. Estive
todos
os dias com você, em cada rosa que você cuidou, você que não procurou me
perceber. Como é o seu nome, perguntou. Ela respondeu:-
Chamo-me ROSA
DE SAROM. Eu sou o
amor. E o rei, ajoelhou-se diante daquela rosa, extremamen-te contagiado pelo amor que dela emanava.
A rosa então falou:- Sempre o amei, por isso
permaneci ao seu lado
quando todos o abandonaram. Vim agora levá-lo para mim. Você irá
morar no
meu Paraíso onde as ruas são de ouro e de cristal.
E, num abrir e fechar de olhos, ambos desapareceram num grande clarão amarelo, rumo ao firmamento infinito.
Os pássaros, que tudo haviam percebido, começaram a cantar, for-mando um verdadeiro coral, que, talvez os anjos tenham dado continuidade no
céu, para recepcionar o servo e filho que chegava e que havia sido rei na
terra.