A história começa em 1944, numa pequena cidade de interior... com o
nascimento de Laura... linda criança, que sempre fora muito desejada por seus pais, que sempre procuraram o chamado
“me-lhor” para ela...
sempre procuraram dedicar-lhe todo carinho, su-pri-la de todas as necessidades... logicamente,
há que se conside-rar suas limitações... então, tão, necessidades supridas... dentro das possibilidades paternas, principalmente
levando-se em conta as agruras do pós-guerra... tudo era difícil... limitado.
A menina cresceu... sempre foi uma criança muito bonita, cuja simpatia cativava parentes e amigos... começou seus
estudos em uma escola rural... logicamente com as limitações inerentes de uma cidade realmente pequena
do interior.
Em seu íntimo, Laurinha não se conformava com esse estado
de coisas... queria mais... porém, conseguir, como?
Seus pais, de origem modesta,
faziam o que melhor podiam.
Porém não era só isso que incomodava essa menina de espírito tão inquieto.
Havia, também, a autoridade paterna, inerente à
época, em que os filhos deviam obediência total e cega ao pai, sempre autoritário e severo.
Principalmente as meninas... cuja educação era voltada unicamen-te para o lar... ou seja, as obrigações e funções de uma menina voltavam-se tão só e somente para as coisas do lar.
Casar, cuidar do lar. Ter filhos e cuidar deles. Mais
nada...
Algumas ainda conseguiam formar-se professoras... mas, após o ca-samento... nada além de cuidar da casa.
Laurinha, porém, queira mais...
Evidentemente nascera fora de época... suas
ideias eram muito avançadas...
e ela sofria com a incompreensão de todos, já que, na mentalidade tacanha da época tais pensamentos eram, até, peca-minosos... e
tome castigos paternos... e tome punições impostas pelo padre da paróquia (a quem seus pais recorreram),
visando “reconduzi-la ao bom
caminho”.
Tudo isso, acabou levando Laurinha a fingir que aceitava esse es-tado
de coisas... porém seu íntimo e sua cabecinha continuavam revoltados, pois submissão era palavra que não encontrava abrigo em
sua mente... a única coisa que a autoridade paterna não po-deria dobrar, seriam suas
ideias... que ficaram guardadas, mas não esquecidas.
Porém, sempre ficou marcada como
criança rebelde.
Cedo casou-se.
Queria, com o casamento, fugir da
autoridade paterna, poder, en-fim, ter suas ideias, viver como queria... lutar para
melhorar de vida... satisfazer suas ambições... deixar, enfim, de ser simples-mente a mocinha
do interior que deveria passar a vida toda somente enfiada dentro de casa, cuidando de marido e filhos.
Iria, enfim, mostrar que ela, Laurinha, passaria a ser Laura, uma mulher, uma pessoa plena de
capacidade... capaz de realizações.
Iria
mostrar que as mulheres não precisavam ser unicamente “do-nas de casa”
, rótulo que a incomodava demais.
Iria, enfim, VIVER.
Ledo engano...
Casara-se por amor... e acreditava que conseguiria
mostrar ao seu marido, que poderia ajudá-lo a crescer... que, com sua capaci-dade, com sua inteligência, poderiam, ambos, crescer e subir
na vida.
Casara-se, porém, com um homem de pouco nível
cultural...
Trabalhava em contato com operários e, acostumado com a lida, achava que nisso era
competente, e não tinha a menor vontade de mudar de ares.
Para que estudar?
Assim mantenho meu lar e sustento a família.
Sou o
homem da casa e tenho competência necessária para sus-tentar o lar.
Quando Laura quis prosseguir com os estudos, entrar para uma Fa-culdade, Gabriel subiu pelas paredes.
Vociferava:
“Nunca...
mulher minha tem que cuidar da casa... Fa-culdade, para que?”.
Bem... essa foi a gota que entornou o líquido do copo...
Laura rebelou-se
de vez e, fiel às suas ideias, entregou-se de corpo e alma à realização de seu
sonho louco, segundo opinião de seus pais e de Gabriel.
Porém, esse sonho louco
era vital para Laura... sufocando-o, es-taria matando sua alma.
Ninguém acreditava, em
sã consciência, que Laura conseguiria con-cretizar semelhante
sandice... somente ela conhecia a
medida real de seu espírito vibrante e lutador, e acreditava em suas possibili-dades.
Ainda mais que, cumprindo sua vocação maternal, teve cinco
fi-lhos.
Como conciliar a maternidade com estudos... com trabalho?
Laura é louca,
diziam... mas a “louca”
não desistia... enfim, mos-trava de
que massa era feita... não acompanhava a mentalidade da grande maioria das mulheres de sua geração, que
evidentemen-te, a discriminavam.
Laura tinha ideias esquisitas, diziam.
Não serve para ser nossa amiga... pois não
conversa sobre nossos assuntos... imagine, que outro dia veio dizendo que as mulheres devem, e podem
ser independentes... absurdo, os homens é que tem obrigação de nos sustentar...
Laura só conseguia encontrar ambiente no meio
universitário... grande maioria masculina.
Não é preciso dizer que isso incomodava demais a cabeça de Gabriel, que imaginava
que sua esposa, sempre rodeada de homens, seria desejada por todos.
Não era capaz de enxergar e
entender que era amado por Laura e, apesar do ambiente pesado dentro do lar, Laura, teimosa, não abdicava de seu ideal.
Já houvera sido suficiente a opressão
paterna, para que cedesse à opressão conjugal.
Formada, Laura resolveu dedicar-se a um
campo de atividades que
mais e mais a deixava cercada de homens e, para piorar o estado de coisas, de
homens cultos, de posses.
Aí, já foi demais para a mente tacanha e estreita de Gabriel, que deu o ultimato:
“Chega Laura. Escolha. Ou essa profissão maluca, ou eu.”
Diante de tal intolerância, Laura rebelou-se de vez e não titubeou na
escolha... casamento desfeito... e aí, começava nova fase em sua vida.
Sua profissão absorvia quase todo seu tempo, e... novos proble-mas... agora eram os
filhos que começavam a
exercer pressão, pois consideravam-na culpada pela saída do pai... custava atender sua exigência?
Custava mudar de
vida?
Seus sonhos de uma vida melhor, seus sonhos de êxito pessoal,
seus sonhos tão sonhados... estavam mais uma vez ameaçados... mas Laura,
heroicamente, não cedeu.
Fez das tripas coração para conciliar
as coisas.
De certa maneira, conseguiu... ou quase... seus fi-lhos continua-vam a pressão, querendo mais
e mais sua atenção e dedicação.
Além dessa pressão filial... mais alguns revezes... um sócio em seu empreendimento roubou suas
ideias, e deixou-a na mão... muito romântica, ela ainda acreditava nas pessoas, e não havia registrado a ideia em
seu nome.
O sócio, simplesmente alegou que ela não
dava sentido prático às coisas... era muito humana... e a realidade da vida é cruel... te-mos que tomar
das pessoas o que elas tem para nos dar, e não ajudá-las a conseguir as coisas...
Tais
ideias não eram aceitas pela alma generosa de Laura... e aí... mais um baque.
Nunca tivera boa saúde... o que era atribuído ao estresse de sua vida
atribulada...
Sossegue, mãe, diziam os filhos... cuide de nós... e não de você, não de
seu espírito.
Seus problemas de saúde se agravaram... os médicos não descobri-am
nada... e atribuíam ao famoso estresse.
Não é nada sério, é psicológico... é uma forma de chamar a aten-ção...
Chamar a
atenção?
Loucos são eles, e não eu, pensava nossa rebelde Laura, que nunca aceitara rotulações.
Um exame mais acurado constatou
que, efetivamente, Laura tinha uma
rara alergia alimentar (até para doenças, Laura tinha que ser diferente).
Como tratamento, ela deveria se
afastar da cidade grande, e de que
mais adorava... a vida atribulada e corrida... seu trabalho cansativo e apaixonante e... principalmente, das comidas de que
tanto gostava.
Que fazer?
Como conciliar as coisas?
Eram dois caminhos... um, a conduziria a uma morte breve,
pois se permanecesse na cidade grande, e naquele tipo de vida é o que aconteceria a curto
prazo.
O outro... a uma vida mais longa, mas longe de tudo que amava...
Céus... que fazer?
Laura escolheu o caminho mais lógico, pois acima de tudo, falou mais
alto o instinto de sobrevivência.
Procurou a vida pacata em cidade pequena... mas
perto o sufici-ente da cidade grande, permitindo rápidas fugidas para perto de seus filhos, que também poderiam visitá-la quando
quisessem.
Tudo quase perfeito... não fosse o
fato de seus filhos continuarem achando que tudo não passava de fingimento, e começaram
uma chantagem emocional típica de crianças carentes... só que, de par-te de adultos, que de
maneira egoísta a querem sempre por perto para que ela possa servi-los quando precisarem.
Então, diziam:
“Volte para cá... aqui cuidaremos de você...
você não precisará trabalhar mais... só cuidar de seus netos...”
Caramba, pensou Laura, que sina...
pressão dos pais... pressão do marido... e agora,
no fim da vida, pressão dos filhos?
Não... mais uma vez, Laura reagiu... não cedeu, e permaneceu em Bom Jardim da
Serra.
Agora, o que fazer numa cidade pequena... de parcos recursos.
Ora, os
jovens, se querem progredir, aprender mais... tem de mu-dar-se para uma cidade grande...
Então, vamos pensar em alguma coisa que os possa
manter aqui... estudando, procurando progredir.
Mais uma vez, Laura pensava em ajudar os outros, e, evidente-mente, ajudar-se também... necessidades da sobrevivência.
Finalmente Laura conseguiu encontrar-se na vida.
Vencendo a oposição dos filhos,
finalmente conseguiu convencê-los de
que, realmente seu problema alérgico era sério, e eles se resol-veram apoiá-la em
Bom Jardim.
Profissionalmente, conseguiu levar a cabo seu intento, ministrando
cursos para aperfeiçoamento profissional aos jovens de Bom Jar-dim, conciliando sua necessidade de vida, com seu destino, de sempre
ajudar a alguém.
Essa é a história de Laura...
Nunca se deixou abater
pelas adversidades... pelos percalços da vida...