Augusto olhava cada documento, cada foto, cada objeto que pega-va e
parecia que cada um falava com ele o fazendo lembrar-se de histórias
passadas ali, naquele escritório de onde teria que sair dentro de
algumas horas.
Havia recebido um memorando avisando que teria que comparecer ao
Departamento De Pessoal da empresa para tratar de assunto do seu
interesse.
Ele já sabia qual seria o assunto, e ao chegar ao DP foi
avisado que a empresa não mais necessitava de seus serviços
profissionais, mas seus direitos previstos em lei estavam todos
ga-rantidos...
Como se o mais importante naquele momento fosse a indenização a qual ele tinha direito.
Não se importaram em lhe dizer o
motivo, simplesmente mandaram avisar.
Não o queriam mais.
Já não era
necessário à empresa, estava caro demais, e, com certeza, outro
funcionário mais novo e menos dispendioso estava entrando para ocupar o
seu lugar.
E todos aqueles anos em que dedicara sua vida aquela empresa, onde foram
parar?
Quantas vezes chegava à casa tarde da noite e já encontrava seus
filhos dormindo e no dia seguinte saía tão cedo que não os via acordar?
Quantas vezes teve que brigar com sua es-posa, pois colocava a empresa
sempre em primeiro lugar?
Quantas vezes deixara de ir às festinhas
familiares, pois teve que trabalhar nos finais de semana para terminar
algum projeto atrasado?
Quantas vezes a empresa, sempre a empresa, o
afastou de seus filhos?
E o crescimento dos filhos que ele deixou de
lado, pois a empresa precisava dele sempre à disposição?
E agora
simplesmente o mandavam embora, sem explicações, sem um obrigado, sem
nada...
O responsável pelo DP
lhe dissera para que retirasse todos os obje-tos pessoais da sua sala,
pois dentro de dois dias chegaria o novo chefe da engenharia.
E Augusto
estava ali, agora, retirando suas coisas para deixar tudo “limpo”
para o novo funcionário.
O que fazer depois que eu sair daqui? Pensava ele.
O que fazer com 65
anos de idade, num país onde pessoas com 40 anos já são taxa-das de
velhas?
E enquanto pensava ia arrumando tudo nas caixas que arranjou.
E
de repente um filme começou a passar na sua ca-beça, quando encontrou a
foto do dia em que tomou posse da Gerência da Engenharia.
Era ainda um garoto de vinte e poucos anos quando entrou na em-presa e
durante cinco anos ficara trabalhando no Almoxarifado, chegando a ser o
responsável por aquele setor.
E durante estes cinco anos ganhara a
simpatia de todos e o responsável pelo setor da Engenharia, Dr. Ernesto
Moura, disse-lhe um dia que não se esqueceria dele, e quando aparecesse
uma oportunidade de tê-lo ao seu lado, o chamaria para trabalharem
juntos, pois admirava muito o seu trabalho.
E ao completar cinco anos de
firma, foi transferido para a Engenharia e desde aquele dia trabalhou
com afinco, vestindo a camisa da empresa e lutando muito, sempre visando
à melhoria da firma.
Sim, ele tinha conseguido! Galgou todos os degraus que aparece-ram à sua
frente e chegou onde queria.
E há quinze anos era o responsável pelo
setor de Engenharia, desde que o Dr. Ernesto Moura tinha sido
transferido para outro estado.
Augusto já estava aposentado, mas continuava trabalhando, pois, como lhe
disseram, a firma não queria perdê-lo, pois funcionário como ele não se
pode perder. E hoje, ali está ele, sem entender, sem querer acreditar
que está tudo acabado. Amanhã, não mais se-rá o dono daquela cadeira,
esta sala não terá mais seu nome na porta.
Não mais terá que acordar
cedo, não precisará pegar seu carro e enfrentar o trânsito e o
engarrafamento.
Não, nada disso ele precisará fazer, mas então, como irá
viver deste dia em diante?
Sentiu seu coração bater muito forte, depois
foi enfraquecendo e o suor começou a escorrer pela sua testa.
Ele já não
era mais o mesmo.
Talvez estivessem certos em mandá-lo embora. Já estava velho!!!
Nunca havia se sentido assim, mas hoje ele estava se sentindo
velho.
Ele estava com tanta vontade de chorar, mas sempre aprendeu que
homem não chora e engoliu o choro, limpando a lágrima que teimava em
rolar, com um lenço que recebera em uma das muitas festas de aniversário
que seus funcionários tinham feito em sua homenagem, durante todos estes
anos.
Ao terminar o dia, estava tudo acabado.
Havia embalado todas as coisas,
já estava tudo nas caixas e o funcionário as levaria até o carro.
Deu
mais uma olhada para a sala que fora sua segunda casa há mais de 30
anos, e outra vez aquela lágrima indiscreta teimou em rolar, novamente
se conteve, virou as costas e saiu batendo a porta pela última vez.
Como um autômato foi andando pelo corredor daquele edifício, sem se
despedir de ninguém, não aguentaria ver seus amigos de tantos anos lhe
dizendo adeus.
Ele tinha certeza que, desta vez, não conseguiria conter
a tal lágrima teimosa se tivesse que se despedir de todo mundo.
Quando Augusto notou, já tinha chegado à garagem do edifício.
Não
percebera como chegara até ali.
Parecia que estava sonhando, não podia
acreditar no que estava acontecendo...
Mas não era sonho, suas caixas
repletas de lembranças já estavam todas ali e assim que chegou, um
funcionário encarregou-se de colocá-las na mala de seu carro e ao
terminar o cumprimentou com um aperto de mão dizendo que nunca iria
esquecer-se dele.
Augusto deu um sorriso agradecendo e abriu a porta do
carro, entrando rápido como se quisesse que aquele instante terminasse
logo.
Não sabe quanto tempo ficou dirigindo, mas precisava ficar o maior tempo
possível sozinho, pois não tinha vontade nenhuma de con-versar com
ninguém.
Depois de muito rodar pela cidade, pensou em Marina, sua companheira de
tanto tempo.
Iria chegar a casa e com certeza, a encontraria o esperando
como sempre, pronta para dizer-lhe palavras que o fizesse mais forte,
colocando-se sempre ao seu lado dizendo que jamais o deixaria, sempre
disposta a ajudá-lo.
Teria que falar também com seus filhos. Ele sabia
que ao falar com Walter, seu filho mais velho, escutaria palavras como:
“A vida é
assim, pai. To-do mundo um dia vai ter que passar por isso. Não fica
"encucado", velho! Bola prá frente!”.
Era assim sempre, Walter
nunca se mostrava preocupado com os problemas e Augusto tinha certeza
que estas seriam as palavras que escutaria dele.
Mas era um bom filho,
meio “desligado”, mas um bom garoto.
Bem diferente de Matheus, o mais
novo, que sempre fora sensível e qualquer problema que pressentisse, já
estava por perto, querendo ajudar, dando força...
Sempre fora mais
ajuizado. Estava casado há dez anos e já tinha lhe dado dois netos que
ele amava acima de tudo.
Ainda tinha a Letícia, a filha do meio, única
menina, um doce de filha.
Ele sabia que a notícia seria recebida por ela
com tristeza, mas sabia também que seria tão beijado e acarinhado que,
com certeza, naquele momento esqueceria o problema.
E foi pensando na família que Augusto chegou em frente à sua ca-sa.
Acionou o controle do portão da garagem e entrou.
Viu que seus netos
estavam jogando bola na lateral da casa e quando o viram, vieram
correndo ao seu encontro gritando felizes: O Vô Guto chegou, agora já
temos com quem jogar...
Ao ver aquela cena, agradeceu aos céus por ter-lhe dado tão linda
família e mais uma vez sentiu uma vontade enorme de chorar.
Ao receber os abraços carinhosos de seus netos escutou o mais ve-lho
perguntando:
- Vô Guto você tá chorando?
- Claro que não, meu filho.
É só uma lágrima teimosa que quer sair, mas
já me livro dela.
Augusto percebeu naquele instante que o “Dr. Augusto” realmente
chegara ao fim da sua estrada e que daquele dia em diante quem iria
tomar o seu lugar seria o “Vô
Guto”, pois
agora ele tinha o tempo que não teve para os filhos e finalmente
entendeu que não devia se lamentar pelo ocorrido, e sim agradecer a Deus
por ter vida e saúde para ensinar e aprender ainda muita coisa com
aque-les meninos.
E a primeira lição que o Vô Guto aprendeu é que já não havia ne-cessidade
de lutar contra aquela lágrima teimosa, pois ela já esta-va rolando em
seu rosto, quando escutou seus netos gritarem:
- Rápido, Vô Guto, chuta essa bola e vem jogar com a gente...
Lenir Moura
Domingo, 07 de
fevereiro de 2010