Com recomendação do guia turístico para não sair da trilha, calço minhas
botas, mochila às costas com apetrechos emergen-ciais, roupa de brim
reforçado nas cores verde e branco, facão do mato em punho, lá vou eu
adentrar um santuário da natureza. Uma floresta!
Folhas mortas, órfãs de sua mãe-árvore, caídas ao chão, bai-lam suavemente
ao sabor da brisa que sopra ou são freneticamente levadas em dispersas
lufadas de uma raivosa ventania.
Não têm vontade própria, uma vez que foram desgarradas do galho que as
abrigava em segurança das inclementes intempéries do tempo.
Seguem ao bel-prazer do acaso seu bailado sem rumo, num involuntário e
incerto vaivém. Do verde, quando viçosas, passaram agora, ao escuro matizado
como prenúncio do seu derradeiro fim, transmutação e serventia, vítimas da
inevitável putrefação.
Em seus lugares, a natureza caprichosa e vigilante, já fez nas-cerem outras
folhas, não deixando desnudos os carvalhos, pinhei-ros, ipês, etc... que se
agigantam na floresta em meio a menores coníferas que os cercam. Brevemente
essas folhas recém-chegadas seguirão o mesmo destino de suas antecessoras,
cumprindo-se as-sim o incessante e inexorável ciclo da vida.
Seguindo a trilha orlada pelo arvoredo, piso descuidado no chão atapetado e
amaciado por milhares de folhas e pequenos ga-lhos despencados que agora
servem de adubo para outras árvores crescerem e se multiplicarem, espalhando
no solo fértil e úmido sementes que brotarão tímidos arbustos à sombra dos
idosos gigan-tes circunvizinhos.
Depois de caminhar por um quilômetro aproximadamente, sou agraciado pela
companhia de pássaros canoros que em coro mavio-so saúdam minha passagem. Os
bem-te-vis parecem alardear aos mais afastados de minha intrusa invasão em
seu sagrado território.
O sol, num esforço incomensurável, tenta chegar a mim, mas as copas fechadas
das árvores impedem que isso aconteça. Apenas raras gemas tremeluzentes de
sua brilhante luz salpicam o chão, após conseguirem vazar pequenas e
ocasionais frestas que logo são fechadas por lufadas da brisa que sopra lá
no alto. Lindas orquíde-as, das mais variadas espécies, agarram-se aos
troncos das árvores maiores, enfeitando e colorindo minha passagem.
A mochila me pesa às costas e procuro descansar sentando-me num tronco
abatido e deitado no meu caminho. Nele vejo mar-cas das machadadas que o
derrubou por razões a mim inconcebí-veis. É a mão do Homem destruindo a
Natureza criada por Deus. Ouço ao longe o estampido de tiros na mata;
evidentemente são caçadores dizimando impunemente a fauna que habita aquele
san-tuário ecológico. De soslaio vejo esquilos e micos assustados
procu-rando abrigo nos galhos mais altos, afastados de mim cautelosa-mente.
Eu, o “bicho homem”, que ocupa o topo da cadeia dos ani-mais predadores!
Uma incontida tristeza invade-me o peito e o coração chora pedindo uma
oração. Olho para o alto, mas não consigo enxergar o céu. Abaixo contrito
minha cabeça e sem uma explicação plausível, abre-se um providencial espaço
na copa de uma árvore e sou ba-nhado pelo sol, oferecendo-me o vislumbrar de
um pedaço celes-tial.
Deus, perdoai esta humanidade da qual faço parte. Cada um pensa apenas em si
próprio sem se importar com os tormentos que afligem o seu próximo.
Destruímos cada vez mais a obra que legastes a nós, ao invés de procurarmos
conservá-la e dela usu-fruirmos, civilizada e paulatinamente. A Natureza que
nos destes não nos pertence; está apenas emprestada a nós por um
determi-nado tempo. Deverá ela servir aos nossos filhos, a todos que estão
por vir... futuras gerações!
Bang, bang, novos tiros agora mais próximos interrompem minha prece.
Levanto-me e desisto de seguir adiante. A nesga se fecha bloqueando a
passagem da luz solar que se apaga. Volta a penumbra a reinar e os pássaros
se calam. Volto tristonho à “civili-zação”.
Não muito distante uma moto-serra derruba alguma frondosa árvore e ouço o
seu lamentoso rangido antes de cair inerte ao chão, levando em sua queda
outras menores à sua volta.
De volta da minha caminhada, já em segurança, fora da flo-resta, vejo ao
longe uma sinistra espiral de fumaça anunciando o princípio de um incêndio
na mata. Seja combustão espontânea ou crime praticado pelo ser humano,
ninhos com seus filhotes serão hediondamente incinerados pelo inclemente
fogo.