Fiz serão e fechei o
escritório por volta das 20:00h.
Aqui fora o frio é
intenso obrigando-me a levantar a gola do grosso sobretudo que me agasalha e
faz-me caminhar com as mãos enfiadas nos bolsos. A neve que cai confunde-se
com meus cabelos grisalhos, tornando-os mais alvos do que são mais
acentuadamente nas têmporas. Ficaram assim precocemente mesclados, antes de
alcançar meus quarenta anos. Chequei a pensar em tingi-los mas parece que
esse “distúrbio
capilar” agradou
mais ao sexo oposto e acomodei-me ao bem vindo fenômeno.
Por ser sexta-feira achei
cedo para retornar à solidão do aparta-mento vazio que me aguardava. Sem
desviar-me do caminho, diri-jo-me ao aconchego do restaurante Refúgio já meu
conhecido, on-de serve uma boa comida e pode-se dançar, quando acompanhado,
até quase o amanhecer, se o fôlego o permitir.
Na soleira da porta de
vidro, aberta pela gentil recepcionista, dispo meu casaco e o deixo na
chapelaria, indo direto ao toalete pentear-me e enxugar a neve reminiscente
que camuflou-se derretida entre as ondas de meus cabelos. Voltando ao salão,
escolho uma das mesas vagas servidas pelo meu amigo Nilo, o melhor dos
garçons. Quase que imediatamente ele me traz o cardápio acompanhado de seu
cordial e solene boa noite.
Antes de escolher o
prato, dou uma afrouxada no nó da gravata e, de soslaio, observo na mesa
vizinha uma linda e elegante morena saboreando uma sopa de aspargos,
especialidade da casa. Nilo já voltava com meu tradicional aperitivo e, com
tom de voz levemen-te mais alta que a normal, pedi-lhe como entrada uma sopa
de aspargo. A morena dirigiu-me seus olhos verdes acompanhados de um
discreto sorriso.
Aproveitei para
educadamente perguntar-lhe:
__ Ele não veio?
__ Ela, apenas limitou-se
a responder-me com um meigo sorriso.
__ A sopa está gostosa? É
minha preferida...
__ Novo sorriso discreto,
afirmando com a cabeça que sim.
__ Que tal quebrarmos
nossa solidão? Também estou só. Ela não veio... (menti!).
Dessa vez ela falou:
esteja à vontade e apontou para a cadeira vazia à sua mesa.
Peguei meu aperitivo e
apresentando-me à Consuelo pedi permis-são para sentar-me. Nilo ficou meio
desnorteado quando viu minha mesa vazia, mas logo se recompôs ao me
localizar. Após servir-me, desejou-me bom apetite e eu agradeci citando seu
nome.
__ Obrigado, amigo Nilo.
Consuelo pareceu-me mais
confiante, ao identificar-me como um habitué do restaurante. Saboreamos as
sopas trocando amenidades e falando sobre nós dois. Eu, advogado
criminalista, ferrenho sol-teirão, obstinado por liberdade e vivendo a vida
da maneira mais prazerosamente possível. Ela, médica oncologista, acabada de
sair de um noivado frustrado e turbulento procurando adaptar-se a uma vi-da
a sós, decidida ao celibato em consequência da desilusão amoro-sa
recentemente sofrida.
Terminada a sopa, já
sabíamos nossas idades, afinidades pelo teatro, autores preferidos de
livros, poetas, viagens, etc... Parecia um es-pelho meu.
__ Antes de pedirmos
nosso segundo prato, você aceitaria dançar?
__ Não sou exímia
dançarina, mas aceito.
De imediato levantei-me,
e ajudei-a a levantar-se puxando suave-mente sua cadeira.
__ Consuelo, façamos um
pacto. Eu também não sou bom dançari-no, então vamos combinar de não nos
pisarmos – OK?
Numa discreta e alegre
risada observei seus lábios entreabertos emoldurando lindos e alvos dentes.
Boca sensual como que a espera de um ardente beijo. Será que pela vez
primeira Cupido iria me flechar? De mãos dadas fomos para a pista de danças.
Naquele contato senti algo eletrizante percorrer-me o corpo. Ao tomá-la em
meus braços, decretada foi minha irremediável e embrionária paixão à
primeira vista.
Dançamos de rostos
colados e ela confidenciou-me que mentiu para mim quando insinuou que
esperava alguém. Eu falei que também menti mas que estava à procura de uma
pessoa muito especial. Ela afastou seu rosto do meu e fitando-me nos olhos,
perguntou:
__ Quem?
__ Você!
Novamente colamos nossos
rostos e flutuamos em nuvens pelo sa-lão. Meu coração pulsava num compasso
nunca dantes sentido, sonhos jamais sonhados nasceram em minh’alma,
embriaguei-me no olor desprendido de seus cabelos, acalentei-me no calor
emanado de seu corpo. Estava amando!
A orquestra parou e
voltamos para a mesa de mãos dadas. Ajeitei a cadeira para ela sentar-se e
comentei:
__ Até que não dançamos
mal. Pelo menos seus pés saíram ilesos.
Novamente aquele sorriso
sensual despontou em seu lindo rosto, realçando o verde de seus olhos, sua
tez sedosa... Nilo interrom-peu meu admirar, indagando se já tínhamos
escolhido o menu. Passei o cardápio para Consuelo mas ela pareceu-me em
dúvida e ofereci-me para fazer uma sugestão para nós ambos. Ela aquiesceu e
eu pedi salmão ao molho branco e uma garrafa de vinho branco Morada
Chardonnay.
__ Espero que você goste
de peixe.
__ Adoro! Mas vou beber
pouquinho pois tenho que dirigir.
__ Fique tranquila que eu
me encarrego de beber a sua parte (ri-mos).
__Você tem seu próprio
consultório médico?
__Sim, mas dedico a maior
parte do meu tempo ao Hospital do Câncer Infantil. Luto contra a interrupção
de vidas recém-chega-das.
Aquela dedicação
altruísta aumentou ainda mais minha admiração por Consuelo. Ela era linda
externa e internamente!
Nilo chegou com o vinho e
duas taças para degustarmos. Depois de servir-nos, esperou nossa aprovação
e, após brindarmos a algo maior que uma simples amizade, aprovamos e ele
retirou-se para trazer o nosso salmão.
Durante todo o tempo
apreciava minha Diva. Fala macia, elegân-cia, finura, beleza irretocável,
atraente,,,
__ Por que você me olha
tanto?
__Você acredita em
hipnose, magnetismo ou algo maior? É isso que você me desperta.
__Também vejo em você
muitas qualidades...
__Por favor não me deixe
ruborizado. Não estou muito acostumado a elogios.
__Usando de sinceridade,
acho você muito galante, educado, boni-to...
__Pare! Estou quase
chorando. Acabo de chegar às nuvens, ouvindo de seus lábios tanto carinho.
__Mas é pura verdade! O
que sinto costumo dizer; jamais guardo pra mim!
__Consuelo, posso esperar
de você algo parecido com um terno amor? Juro que não irei decepcioná-la!
__Experimentemos, quem
sabe dará certo?
__Então brindemos a isso!
Ao terminarmos nosso
delicioso salmão, estiquei meu braço sobre a mesa em direção a ela, com a
palma da mão para cima. Ela pousou a sua sobre a minha e novamente senti
aquela transmissão de uma indescritível empatia. Realmente tinha achado
minha metade! Queria possuí-la em meus braços e convidei-a para novamente
dan-çarmos. Ao pisarmos no tablado, num impulso incontido, abracei-a e
trocamos um beijo apaixonado.
__Desculpe-me, não me
controlei!
__Está desculpado! (E
ofereceu-me novamente seus lábios de mel)
Tornei a beijá-la e um
casal próximo a nós aplaudiu nosso idílio.
Quantos anos passei em
minha vida fugindo do amor! Mal sabia eu que ele viria ao meu encontro
quando menos esperasse e que seria de forma inapelável! Enquanto dançávamos
com rostos colados, sussurrei-lhe: Seria precipitado, se a pedisse agora em
casamento? Sem responder-me ela riu, parecendo-me feliz.
Duas danças depois,
voltamos à mesa e pedimos mousse de choco-late para sobremesa e arrematamos
nosso jantar com um licor de drambuie.
Ela pediu-me licença para
ir ao toalete e nesse hiato pedi a conta ao Nilo, pagando-a com cartão, já
incluída a gorjeta do meu amigo.
Em seu retorno trocamos
os números de nossos telefones, peguei na chapelaria meu sobretudo e o
casaco de minha querida namora-da, coloquei-o sobre seus ombros, vesti o meu
e esperamos o manobris-ta trazer o carro dela. Já sentada ao volante
novamente nos beija-mos e eu terminei minha caminhada para casa a pé, um
quarteirão apenas de distância. Sentia a neve mais suave e segui aquele
curto trajeto cantarolando como o homem mais feliz do mundo.
Abreviando o “happy
end”, quero dizer
que nos casamos oito meses depois. Até hoje, quando tenho tempo disponível,
vou ao hospital em que minha amada esposa trava sua gloriosa luta e divirto
as cri-anças “carequinhas”,
colocando no nariz uma bola vermelha e passando tinta no rosto. Cada
gargalhada que ouço daqueles anjos, ecoa no mais recôndito imo de meu
coração e gratificam as lágrimas que brotam de meus olhos, manchando a
maquiagem deste emocio-nado palhaço.
Ary Franco
(O Poeta Descalço)
Fundo Musical: Contigo en la distancia
- Orquestra Romântica Brasileira