Estado Independente Do Acre |
Como Um Militar Gaúcho
No Comando
De Um Bando De Seringueiros Destreinados
Redefiniu O Mapa Do Brasil
E Conquistou A Região Oeste Da Amazônia |
|
Altino Machado, de Rio Branco |
Ainda Era Madrugada
De 6 De Agosto De 1902 |
A guarnição boliviana ainda dormia na cidade de Xapuri, que décadas depois,
já como cidade brasileira, se tornaria famosa por causa do sindicalista
Chico Men-des.
Um pequeno grupo de 33 seringueiros brasileiros, armados com rifles, desembar-cou de suas canoas.
Subiram o barranco
íngreme do Rio Acre e tomaram posição em pontos estraté-gicos, divididos em três grupos.
Os bolivianos estavam exaustos.
Haviam comemorado na véspera a data nacional de seu país, com muito, muito álcool.
O militar brasileiro Plácido de Castro,
que comandava os seringueiros, seguiu em silêncio até a grande casa de madeira onde funcionava a Intendência do país vizi-nho.
Dios Fuentes, o
Intendente e maior autoridade do local, despertou de um salto e, pensando tratar-se de um compatriota, ainda com sono, avisou:
- Es temprano para la fiesta.
Castro retrucou:
- Não é festa, senhor
Intendente. É revolução.
Tão logo o
Intendente boliviano se rendeu, os brasileiros recolheram as armas e
aprisionaram a guarnição.
Era O Começo Da
Revolução Acreana |
Com a população de
Xapuri em festa – muitos confundiram o movimento com o
Dia da Independência
da Bolívia –,
Plácido de Castro anunciou o sucesso da revol-ta e justificou a
ação com o argumento de que em troca de favores financeiros, La Paz
pretendia entregar a região ao capital norte-americano e britânico na for-ma do chamado
Bolivian Syndicate.
A ideia era ocupar com soldados e explorar a região por pelo menos 30 anos.
O Acre era uma
região da Bolívia,
mas a cada ano, entre o final do século 19 e o início do século 20,
aumentava o número de brasileiros, especialmente nordesti-nos, que corriam para lá em busca da riqueza da borracha.
A Bolívia estava
disposta a recuperar o território por causa dos lucros que poderia aferir
com a borracha, uma das commodities mais desejadas em um mundo que começava a ser desbravado pelo automóvel e pelo uso industrial do látex.
O governo brasileiro não pleiteava a região.
Portugueses e espanhóis haviam definido que o Acre era boliviano desde 1750, com o
Tratado de Ayacucho.
Em 1898, o Brasil independente reconheceu que o território pertencia mesmo à Bolívia.
Mas como era
distante, de difícil acesso e em plena floresta amazônica, os boli-vianos não se interessaram em colonizar a região.
Até aparecer o interesse internacional pela borracha.
O gaúcho
Plácido de Castro
chegou à Amazônia em 1899, aos 26 anos, depois de viver no Rio de Janeiro e
em São Paulo.
Três anos depois,
seringalistas (compradores
e distribuidores do látex)
viram no militar, que havia lutado na
Revolução Federalista do
Rio Grande do Sul,
uma oportunidade para ampliar seu território.
Ofereceram a
Castro
armas, munição e dinheiro para enfrentar os bolivianos.
Ele, imaginando
que poderia ganhar dinheiro demarcando os latifúndios da serin-ga (era
formado em agrimensura),
topou treinar e comandar 2 mil seringueiros, a maioria armado apenas com
facões.
A
Revolução Acreana durou pouco, desde a ação de 6 de agosto.
Terminou em 24 de
janeiro de 1903, e
as ações mais agudas, decididas rapida-mente, facilitou o desfecho favorável para os brasileiros.
De acordo com o especialista em história do Acre,
Marcos Neves,
o principal fator de sucesso foi o fato de pela primeira vez se formar um exército organizado na região.
“Era
composto por seringueiros sem experiência militar, mas foi suficiente para
direcionar corretamente os esforços militares na região.”, afirma Neves.
“E nesse aspecto a
experiência de
Castro foi
fundamental.”
Depois da
vitória militar,
coube a
Castro
organizar a vida política e administrativa do novíssimo
Estado
Independente do Acre.
Seu decreto número
1, de 26 de janeiro de 1903, mandava aplicar à justiça civil, criminal e
comercial a lei brasileira, até que se promulgasse a Constituição do Estado soberano.
Considerou válidos
todos os títulos de propriedade, definitivos ou provisórios, expedidos pela
Bolívia
e pelo
Estado do Amazonas.
Definiu o
português como língua oficial e adotou o padrão monetário do
Brasil.
Mas encontrou
inimigos em seus antigos aliados.
“Rodrigo
de Carvalho e Gentil Norberto,
os principais
articuladores da Revolução
Acreana com o governo do Amazonas, tornaram-se seus adversários”,
afirma o professor
Eduardo Carneiro, da
Universidade Federal do Acre.
“Os
dois acusavam Plácido de Castro, entre outros, de ter acumulado riquezas
com a revolução.”
Em carta ao
Barão do Rio Branco,
Rodrigo de Carvalho, ministro da Fazenda,
Jus-tiça e Guerra
do Estado Autônomo,
enviou tempos depois uma carta ao
Barão do Rio Branco
repleta de acusações. “Plácido
de Castro não é honesto; é feroz e sanguinário”, registrou.
Nos meses que
seguiram à vitória de
Plácido na Revolução Acreana, a diplomacia brasileira agiu rápido.
O
Barão do Rio
Branco convenceu os bolivianos a evitar um conflito armado de consequências
imprevisíveis na região.
No dia 17
de novembro de 1903, o Acre foi finalmente incorporado ao Brasil com a
assinatura do Tratado de Petrópolis.
O país pagou à
Bolívia 2 milhões de libras esterlinas
(o equivalente
hoje a 20 mi-lhões de reais) e indenizou o poderoso
Bolivian Syndicate com 110 mil libras (cerca
de 20 milhões de reais)
por causa da rescisão de contrato de arrendamen-to que havia sido firmada com o governo boliviano.
Também cedeu terras no
Amazonas e se
comprometeu a construir a
Estrada de Ferro Madeira-Mamoré para escoar a produção boliviana pelo Rio Amazonas.
No princípio de 1904, o Acre se tornou o primeiro Território Federal da
história brasileira.
Exemplo de um novo sistema político-administrativo, não
previsto na Constitui-ção, pelo qual seria gerido diretamente pela Presidência da República, a quem caberia nomear seus governadores e arrecadar os impostos.
Transformado em
herói pelos locais,
Plácido de Castro
tornou-se uma ameaça para as novas autoridades brasileiras que passaram a gerir o território.
O Presidente de República, a mais de 4 mil km de
distância dos problemas acrea-nos, nomeava sucessivamente militares, magistrados ou políticos derrotados em eleições para governar o primeiro
Território Federal.
Afastado do poder, mas com muito cacife político,
Castro virou latifundiário
e gerenciava um seringal, até que resolveu voltar à política defendendo a
criação de um
Estado Independente.
Em agosto de 1908, a situação era de
conflito entre ele e o prefeito de Alto Acre, o coronel Gabino Besouro, que o acusou de planejar uma revolta armada.
Neste cenário, cinco anos depois de
dar início à Revolução Acreana, o militar gaú-cho deixou Rio Branco em
direção ao seu seringal, o Capatará, com seu irmão, Genesco, dois amigos e um funcionário.
No dia 9, o grupo
cruzou o
Igarapé Distração
preocupado
com o alerta de Castro,
conhecedor da região: “Esse é o lugar das emboscadas”.
Mal atravessaram, foram recebidos por 14 homens armados.
O militar recebeu dois tiros a queima roupa: um no braço, outro que perfurou seu pulmão
esquerdo.
Ainda assim, conseguiu esporear o cavalo e fugir.
Foi socorrido
por um amigo, o seringalista João Rola, que apareceu com 20 ho-mens armados e o levou para sua casa, no seringal Benfica.
O local foi atacado à noite e no dia seguinte pelo mesmo grupo da emboscada.
Antes de morrer, às 16h do dia
11 de agosto, aos 35 anos, pediu ao irmão que tirasse seus ossos do Acre.
Segundo Genesco, estas foram suas últimas palavras:
Direi como aquele
General africano:
“Esta terra que
tão mal pagou a liberdade que lhe dei é indigna de possuí-los”.
Ah, meus amigos, estão
manchadas de lodo e sangue as páginas da história do Acre...
O nome de
Plácido de Castro
está inscrito no
“Livro dos Heróis da Pátria”,
q e se encontra no
Panteão da Liberdade e da Democracia, em
Brasília, desde 2002, como o
Libertador do Acre, ao lado, entre outros, de
Dom Pedro I,
Duque de Caxias,
Santos Dumont e
Chico Mendes, que, nascido em
Xapuri, não
fosse pelo militar gaúcho, seria um famoso boliviano.
“A
Posteridade O Julgará”
A Furiosa Carta Da Mãe
De
Plácido De Castro |
Em
1929,
o senador J. Pires
Ferreira
apresentou um projeto de lei que promovia postumamente
Plácido de Castro
a General.
A honraria não convenceu
a mãe do militar, Zeferina, de 92 anos, que enviou uma carta ao político.
A Seguir, Os Principais Trechos |
“Chegando
ao meu conhecimento que transita pelo Senado Federal um projeto de lei de
autoria de Vossa Excelência
dando honras de
General ao meu
pranteado filho,
J. Plácido de
Castro, e de
coronel a dois dos principais cúmplices no seu assassinato –
Gentil Tristão
Norberto e
Antônio Antunes de
Alencar – venho
pedir-lhe o grande favor de retirar o nome do meu filho do mesmo projeto.
Em vida, ele nada pediu à sua pátria e nada recebeu além da perseguição, da
injúria, da calúnia e da morte por mão das
principais autoridades federais;
é justo que depois de morto, quando de nada precisa, também nada receba.
Os
governos já tripudiaram muito sobre o seu nome e sobre a sua memória...
É preciso que a Pátria seja coerente: com honrarias póstumas ela não
ressuscita a vítima nem lava as máculas do passado.
Continue ela a proteger,
amparar e distinguir os assassinos, procurando apagar os vestígios da
covarde tragédia de 9 de agosto de 1908 e a transformar os crimino-sos em heróis.
Isso é justo: mas que aos 92 anos eu veja o nome do meu filho
servir de escada para a ascensão dos seus matadores, isso é demais...
A posteridade
julgará meu filho, e é o bastante.”
Meu Reino Por Dois Cavalos |
Na Bolívia, a culpa pela perda do Acre para o Brasil é creditada ao
Presidente Mariano Melgarejo.
Ele negociou com o Brasil um tratado sobre os limites ainda durante a Guerra do Paraguai (
1820-1871).
O governo
brasileiro, temeroso de criar uma fronteira hostil no norte, topou renegociar o
Tratado de Ayacucho, de 1867.
O cônsul brasileiro na
Bolívia,
Regino Correa, conhecia a paixão de
Melgarejo por equinos e o presenteou,
antes de começar as negociações com um casal de cava-los brancos.
Conta-se que o
boliviano ficou tão feliz com o presente que deu de presente ao Brasil “dois
dedos” de terra
marcados no mapa, pois se tratava de uma área des-povoada.
A linha divisória
que era reta desde 1750 tornou-se oblíqua, a origem da chamada
Linha Cunha Gomes
(veja mapa).
As terras do norte
da Cunha Gomes são do Amazonas.
As do sul são as
conquistadas pela
Revolução Acreana.
O historiador
Marcos Neves afirma que a história é “estranha”
e muito pouco conhecida no
Brasil.
Mas reconhece que,
à época, era importante para o Brasil neutralizar qualquer aliança entre Bolívia e Paraguai.
A Sequência Dos Conflitos |
Tomada De Xapuri:
06 De Agosto De 1902 |
Inicio da última e mais sangrenta fase da Revolução Acreana.
Xapuri foi
tomada pelo exército revolucionário acreano, sem o disparo de ne-nhum tiro.
1º Combate Da Volta
Da Empresa:
18 De Setembro De 1902 |
Tropas comandadas por
Plácido de Castro
foram emboscadas e derrotadas na
Volta da Empresa
(atual Rio Branco) por um pelotão boliviano comandado pelo
General Rozendo Rojas.
Combates Do Telheiro
E Do Bom Destino:
23 E 24 De Setembro De 1902 |
De
Puerto Alonso (atual
Porto Acre) partem
ataques do exército boliviano contra os seringais
Telheiro
e Bom Destino de
Joaquim Victor,
mas são derrotados pelos revolucionários brasileiros.
2º Combate Da Volta
Da Empresa:
05 A 15 De Outubro De 1902 |
Plácido de Castro
volta a atacar a
Volta da Empresa
que tinha posição estratégica para o domínio do médio rio
Acre.
Depois de dez dias de luta vence e toma o povoado.
Combate do Bahia:
11
De Outubro De 1902 |
De
Xapuri parte uma coluna revolucionária para dominar o barracão do
igarapé
Bahia, mas são atacados e derrotados pelos seringueiros e campesinos
bolivianos que formavam a famosa
Coluna Porvenir.
Combates De Santa Rosa
E Costa Rica: Novembro E Dezembro De 1902 |
Para consolidar o domínio
do médio e do
Alto Acre,
Plácido de Castro ataca
povo-ados bolivianos as margens do
Abunã e do
Tahuamano, destruindo-os e vingando o massacre de brasileiros no
igarapé Bahia.
Combate De Porto Acre:
15
A 24 De Janeiro De 1903 |
Depois de seis meses de guerra, Plácido de
Castro e seu exército de seringueiros vence o exército regular da
Bolívia e toma seu o quartel
General em
Puerto Alonso.
Foi a vitória definitiva da Revolução que tornou o Acre brasileiro.
Fonte: Revista Aventuras na História, da Editora Abril
Vídeos: Plácido de Castro
|
|
Plácido de Castro |
|
Município Plácido de Castro |
|
|
Clicando Aqui Você Voltará Para O Menu Dos Estados |