Da Noruega
Confira aqui as melhores receitas com
bacalhau do Paladar.
O Paladar me enviou
às águas frias do
Mar do Norte para pescar o verdadeiro bacalhau.
Cheguei à Noruega
querendo um belo peixe para a Páscoa, mas não deu certo: os noruegueses
já estão às voltas
com o bacalhau do Natal
– entre o peixe ser pescado e virar, de fato, bacalhau, são mais de dois
meses, fora o percurso de navio até aqui.
Na viagem, fiz outras
descobertas interessantes.
Bacalhau não é um único peixe, não é uma
técnica de salga e tam-bém não é uma receita.
É tudo isso.
A Palavra Bacalhau
Dá Nome A Três Coisas
1. Qualquer peixe
da família Gadidae,
entre eles o nobre e
valo-rizado Gadus morhua, pescado no extremo norte
do Atlântico, e
o Gadus macrocephalus, seu primo menos popular e de
carne menos nobre, que vive no Pacífico.
2. Peixes de cinco espécies
submetidos a processos de salga e seca-gem (confira
quais no fim do texto).
3. Um prato específico da
culinária norueguesa (o bacalao, um cozido delicioso com tomate, cebola
e batata, servido com pão preto).
Bem, agora vamos à parte
prática dessa história:
o que é bacalhau?
Aqui no Brasil, o que se
encontra no mercado é o bacalhau salgado e seco.
Ele pode vir do belo
arquipélago de Lofoten, no
Círculo Polar Ártico –
no ano passado, o
Brasil recebeu 18 mil toneladas de bacalhau vindo da Noruega,
o que equivale a quase 20% da produção do país.
De lá, chegam tanto o
Gadus
morhua (o bacalhau “real oficial”), quanto as espécies
Saithe,
Ling e
Zarbo.
Além disso, por aqui também
recebemos o bacalhau do Pacífico, de menor qualidade.
Eles têm diferenças de textura
e sabor, como você confere abaixo.
Da Pesca À Salga Do Bacalhau
O bacalhau (o
peixe) é uma criatura do frio,
então, já fica a dica:
nada de fogo alto ou longos tempos
de cozimento.
Ele passa seus primeiros anos
no Ártico e, adulto (entre 2 e 4
anos), nada durante o inverno
até as águas rasas da costa norueguesa para se reproduzir.
A temporada de pesca vai de
janeiro a abril e tudo se aproveita do peixe.
A famigerada cabeça do bacalhau
é seca e exportada para países como a Nigéria, onde é usada em caldos; a
língua e os músculos da garganta são tradicionalmente cortados por
crianças e consumidos como petisco frito; o fígado serve para se extrair
óleo; as ovas são consumidas salgadas (caviar)
e curadas (bottarga).
|
Lançamos a linha na água apenas com
anzol,
sem iscas.
É preciso ficar
puxando e liberando
a linha,
para atrair
os peixes. |
|
Quando um morde, basta girar o
carretel puxar o peixe. |
Anzol Na Água
Lançamos a linha na água apenas com
anzol, sem iscas.
É preciso ficar puxando e
liberando a linha, para atrair os peixes.
Quando um morde, basta girar o
carretel puxar o peixe.
De
Lofoten, os peixes viajam
já limpos (sem cabeça e tripas, mas ainda inteiros) e congelados
para a “capital do bacalhau”,
Ålesund, cidade de estilo art nouveau
cravada em meio aos fiordes da costa central.
Nas fábricas familiares, são
abertos um a um e dispostos em cama-das, intercaladas com grandes
quantidades de sal marinho.
Ficam assim de três a quatro semanas.
Depois, são dispostos em
paletes de madeira e vão para câmaras ven-tiladas, onde secam por
mais uma semana.
E só aqui que nasce o
bacalhau.
|
© Carla Peralva/Estadão
Depois de
salgados, os peixes são secos em
paletes de madeira
dentro de câmaras
ventiladas.
Agora já podem ser chamados de bacalhau. |
A Cultura Colaborativa Do Bacalhau
Ele é prova viva de como a cultura
gastronômica é colaborativa.
Os pioneiros na pesca foram os
vikings, que secavam peixes
para conservá-los nos barcos.
A salga veio no século 11 com
os povos bascos.
Mas são os portugueses os
donos do maior receituário de bacalhau salgado e seco do mundo.
A Noruega salga e seca seus
peixes pois há demanda externa para isso – mais de 95% da produção é
exportada, sendo Portugal e Brasil os maiores consumidores.
Por lá, o peixe é consumido
fresco ou apenas seco.
|
© Carla Peralva/Estadão
A carismática chef Siv Hilde Lillehaug serve
bacalhau
fresco e seco em seu Lofotmat,
no norte da Noruega. |
Para provar o bacalhau de todas as
maneiras como ele é consumido no país,
a dica é visitar Henningsvær,
uma
ilhota de Lofoten com apenas 450 moradores que gira em torno da
pesca, onde a
chef Siv Hilde Lillehaug recebe os visitantes de
sorriso aberto em seu
Lofo-tmat, um dos cinco restaurantes da vila.
Em sua cozinha aberta
para o salão, ela faz o caviar do jeito que aprendeu com a avó e
serve sobre
flatbrød
(pão chato norueguês)
com creme azedo e beterraba.
A língua é empanada e
frita, petisco servido com picles e molho tár-taro.
O
skrei, o bacalhau
fresco, tem sabor delicado e desmancha na boca.
Já o
stockfish,
bacalhau seco, tem textura mais seca e sabor pungen-te (é
o stoccafisso
consumido pelos italianos).
É ele que domina as
paisagens da ilha.
As montanhas nevadas são cercadas por pequenos
barcos e tomadas por hjells (fala-se
i-éls), varais de madeira onde
peixes são pendura-dos para secar ao vento.
Sem sal, sem tela, sem
nada,
uma técnica eficiente de conservação criada pelos vikings, que
se valeram da geografia das ilhas norue-guesas: muito vento, baixas
temperaturas, ar seco.
Ele fica três meses nas
varas externas e, depois, quase um ano em galpões bem ventilados.
Como Escolher O Tipo De Bacalhau
O nome da espécie do peixe deve
obrigatoriamente constar na em-balagem, de acordo com uma nova
portaria do Mapa, de 23 de janeiro de 2019.
Isso ajuda na hora da compra:
as variedades têm muitas diferenças, especialmente na textura e no
sabor.
|
© Carla Peralva/Estadão
Os tipos de bacalhau: Zarbo, Saithe,
Gadus morhua e Ling. |
Gadus Morhua
O mais nobre, de posta alta que se
desmancha em lascas.
É untuoso e suculento.
Também pode ser chamado
de bacalhau do Porto.
Pescado no Atlântico
Norte, é o bacalhau
“real
oficial".
Ling
Carne macia, que se desfaz em lascas.
Vai bem cozido ou
apenas selado na chapa.
Saithe
O de
“sabor
de peixe”
mais intenso.
Bom para saladas,
brandade e outros preparos desfiados, como o bo-linho de bacalhau.
Também rende um bom
ceviche, basta dessalgar e marinar.
É o mais vendido no
Brasil.
Zarbo
Tem textura mais rija e “esfarelenta”.
Menos valorizado, é
melhor desfiado.
Gadus Macrocephalus
Bacalhau do Pacífico, menor e e de
coloração mais clara que o do Atlântico.
Também rende bons
lombos, mas sua carne só pode ser desfiada.
Como Comprar Bacalhau E Outras Dicas
Quando for escolher uma peça de
bacalhau, certifique-se que ela está seca e sem qualquer parte
visivelmente úmida.
A cor da carne pode
variar de branco até amarelo-palha (cor
mais clara não significa qualidade),
mas descolorações, manchas prateadas ou vermelhas podem indicar má
conservação.
É possível comprar o
bacalhau seco e salgado ou já dessalgado e con-gelado.
A escolha é sua, mas
saiba que não é difícil dessalgar bacalhau em casa - aprenda como
aqui.
Ao comprar bacalhau já
em lascas ou pedaços (e não o
lombo), pos-sivelmente você
estará comprando partes das ‘asas’
e da barriga do peixe (olhe
na foto acima: são as áreas mais externas
“do
triângulo”,
mais finas que o lombo).
Isso não é um problema,
mas faz diferença na textura: são pedaços normalmente mais fibrosos
e menos untuosos.
Vale lembrar que o
bacalhau já é um peixe com pouquíssima gordu-ra.
Pronto, agora você está
pronto para ir para a cozinha.
*A
repórter viajou a convite do Conselho Norueguês da Pesca
|