A Salsicha

Recebi em 16/05/2018
 
 
Colaboração
da amiga Maria Teresa (Portugal)
 

Assim, no pão, com um filete de mostarda, até que ela é boni-tinha...

O processo de fabricação da salsicha é quase uma lenda urbana.

A indústria não faz questão alguma de exibir os bastidores do hot-dog, o que contribui para a boataria.

Fala-se o diabo sobre ingredientes nojentos e/ou nocivos que en-tram, supostamente, em sua composição.

As trapalhadas da investigação da Operação Carne Fraca, que con-fundiu embalagem de papelão com ingrediente, ajudou a alimentar os mitos.

Na realidade, a lei brasileira nos garante acesso a essa informação.

Os fabricantes são legalmente obrigados a listar os componentes do produto em algum canto da embalagem.

Essa lista é fácil de se encontrar com uma busca na internet.

O que vai na salsicha hot-dog da Seara (JBS), por exemplo:

Carne mecanicamente separada de ave, carne bovina, carne suína, miúdos de suíno/ave, pele de suíno/ave, proteína vegetal, sal, ami-do, especiarias naturais, açúcar, estabilizante polifosfato de sódio (E452), conservadores nitrato e nitrito de sódio (E250 e 251), eritorbato de sódio (E316), corante natural e aroma natural de fumaça.

Sabemos, de imediato, que a receita leva miúdos, pele, algum ele-mento vegetal, muitos aditivos químicos e uma certa “carne meca-nicamente separada”.

Chegaremos a ela.

Antes disso, vamos à composição da salsicha Perdigão (BRF), ainda mais detalhada:

Carne mecanicamente separada de ave (frango e/ou galinha e/ou peru), carne suína, água, gordura suína, proteína de soja, miúdos suínos (pode conter fígado, língua, rim e/ou coração), sal, amido, açúcar, alho, cebola, pimenta branca, pimenta calabresa, noz-moscada, regulador de acidez: lactato de sódio e citrato de sódio, estabilizantes: tripolifosfato de sódio e pirofosfato dissódico, aro-matizantes: aromas naturais de (fumaça, orégano, coentro), real-çador de sabor: glutama-to monossódico, antioxidante: isoascor-bato de sódio, corantes: urucum e carmim de cochonilha, conser-vador: nitrito de sódio.

Muito bem.

Agora entendemos que a ave da carne mecanicamente separada pode de fato ser qualquer ave.

Que a proteína vegetal é soja.

Que os miúdos são fígado, língua, rim e/ou coração – o que tiver, basicamente.

Que um dos corantes naturais é cochonilha, um insetinho triturado aos milhões para a obtenção de uma tintura vermelha.

Vou passar rapidamente pelos estabilizantes, conservantes e ou-tros “antes”.

Alguns deles são exigidos por lei.

Outros são incorporados à formula para conferir aspecto, textura e sabor minimamente toleráveis à gororoba orgânica que recheia a salsicha.

Se fazem mal ou não, deixo para quem tem autoridade no assunto.

O corante de insetos se utiliza largamente em produtos alimentí-cios, inclusive na confeitaria.

Não há razão para grita.

Os miúdos, minha gente, são carne.

É bom que, morto o animal, ele seja integralmente aproveitado.

É mais digno assim.

O maior problema da salsicha está no fato de que ela é feita com o rebotalho da indústria frigorífica.

Com tudo aquilo que não serve para fazer nada melhor.

Examinemos a tal carne mecanicamente separada – CMS, para faci-litar.

Repare que, em ambos os exemplos, ela aparece em primeiro lu-gar no rol dos ingredientes.

Isso significa que a CMS é o principal componente da salsicha.

Mas que raio é a CMS?

Pense numa grande planta frigorífica.

Eles matam os frangos, depenam, lavam e os mandam para a linha de produção.

Separam os coraçõezinhos, as moelas, os fígados: tudo isso tem algum valor de mercado.

Aí trincham as partes mais populares: peito, coxas, sobrecoxas e asas.

Os pescoços vão para algum país árabe e os pés são enviados para a China.

Sobra a carcaça com uma merreca de carne presa ao osso.

Ela podia virar ração de cachorro, mas não vira.

Salsicha tem margem maior.

Assim como os nuggets.

E a mortadela.

E a calabresa defumada.

As carcaças passam por uma espécie de moinho que separam gros-seiramente os ossos e expelem uma pasta rosada de aparência na-da apetitosa.

Daí em diante, são adicionados alguns ingredientes líquidos, outros pulverizados.

Nada de outro mundo.

Só dá um certo mal-estar porque é tudo muito, muito feio.

Salsicha mata?

Provavelmente não, pelo menos não fulmina quem come.

É nojenta?

Vai de cada um: eu acho que sim.

Para ser menos podreira no hot-dog, você pode comprar salsichas cuja lista de ingredientes não inclua a CMS.

Pode optar por salsichas verdadeiramente artesanais, feitas em restaurantes que não têm licença para vendê-las no varejo – o Hot Pork, de São Paulo, é um exemplo.

Essas não contêm aditivos químicos pesados.

Deixar de comer salsicha também não mata ninguém.

Marcos Nogueira



 
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