Assim, no pão, com um filete de mostarda, até que
ela é boni-tinha...
O processo de fabricação da salsicha é quase uma
lenda urbana.
A indústria não faz questão alguma de exibir os bastidores do
hot-dog, o que contribui para a boataria.
Fala-se o diabo sobre ingredientes nojentos e/ou nocivos que en-tram,
supostamente, em sua composição.
As trapalhadas da investigação da Operação Carne Fraca, que
con-fundiu embalagem de papelão com ingrediente, ajudou a alimentar
os mitos.
Na realidade, a lei brasileira nos garante acesso a essa informação.
Os fabricantes são legalmente obrigados a listar os componentes do
produto em algum canto da embalagem.
Essa lista é fácil de se encontrar com uma busca na internet.
O que
vai na salsicha hot-dog da Seara (JBS), por exemplo:
Carne mecanicamente separada de ave, carne bovina, carne suína,
miúdos de suíno/ave, pele de suíno/ave, proteína vegetal, sal,
ami-do, especiarias naturais, açúcar, estabilizante polifosfato de
sódio (E452), conservadores nitrato e nitrito de sódio (E250 e
251), eritorbato de sódio (E316), corante natural e aroma natural de fumaça.
Sabemos, de imediato, que a receita leva miúdos, pele, algum
ele-mento vegetal, muitos aditivos químicos e uma certa “carne meca-nicamente separada”.
Chegaremos a ela.
Antes disso, vamos à composição da salsicha
Perdigão (BRF), ainda mais detalhada:
Carne mecanicamente separada de ave (frango e/ou galinha e/ou peru),
carne suína, água, gordura suína, proteína de soja, miúdos suínos
(pode conter fígado, língua, rim e/ou coração), sal, amido, açúcar,
alho, cebola, pimenta branca, pimenta calabresa, noz-moscada, regulador de acidez: lactato de sódio e citrato de sódio,
estabilizantes: tripolifosfato de sódio e pirofosfato dissódico,
aro-matizantes: aromas naturais de (fumaça, orégano, coentro), real-çador de sabor: glutama-to monossódico, antioxidante:
isoascor-bato de sódio, corantes: urucum e carmim de cochonilha,
conser-vador: nitrito de sódio.
Muito bem.
Agora entendemos que a ave da carne mecanicamente
separada pode de fato ser qualquer ave.
Que a proteína vegetal é
soja.
Que os miúdos são fígado, língua, rim e/ou coração – o que tiver,
basicamente.
Que um dos corantes naturais é cochonilha, um insetinho triturado
aos milhões para a obtenção de uma tintura vermelha.
Vou passar rapidamente pelos estabilizantes, conservantes e ou-tros
“antes”.
Alguns deles são exigidos por lei.
Outros são incorporados à formula para conferir aspecto, textura e
sabor minimamente toleráveis à gororoba orgânica que recheia a
salsicha.
Se fazem mal ou não, deixo para quem tem autoridade no assunto.
O corante de insetos se utiliza largamente em produtos alimentí-cios,
inclusive na confeitaria.
Não há razão para grita.
Os miúdos, minha gente, são carne.
É bom que, morto o animal, ele seja integralmente aproveitado.
É mais digno assim.
O maior problema da salsicha está no fato de que ela é feita com o
rebotalho da indústria frigorífica.
Com tudo aquilo que não serve para fazer nada melhor.
Examinemos a tal carne mecanicamente separada – CMS, para faci-litar.
Repare que, em ambos os exemplos, ela aparece em primeiro lu-gar no
rol dos ingredientes.
Isso significa que a CMS é o principal componente da salsicha.
Mas que raio é a CMS?
Pense numa grande planta frigorífica.
Eles matam os frangos, depenam, lavam e os mandam para a linha de
produção.
Separam os coraçõezinhos, as moelas, os fígados: tudo isso tem algum
valor de mercado.
Aí trincham as partes mais populares: peito, coxas, sobrecoxas e
asas.
Os pescoços vão para algum país árabe e os pés são enviados para a
China.
Sobra a carcaça com uma merreca de carne presa ao osso.
Ela podia virar ração de cachorro, mas não vira.
Salsicha tem margem maior.
Assim como os nuggets.
E a mortadela.
E a calabresa defumada.
As carcaças passam por uma espécie de moinho que separam
gros-seiramente os ossos e expelem uma pasta rosada de aparência na-da
apetitosa.
Daí em diante, são adicionados alguns ingredientes líquidos, outros
pulverizados.
Nada de outro mundo.
Só dá um certo mal-estar porque é tudo muito, muito feio.
Salsicha mata?
Provavelmente não, pelo menos não fulmina quem come.
É nojenta?
Vai de cada um: eu acho que sim.
Para ser menos podreira no hot-dog, você pode comprar salsichas cuja
lista de ingredientes não inclua a CMS.
Pode optar por salsichas verdadeiramente artesanais, feitas em
restaurantes que não têm licença para vendê-las no varejo – o Hot Pork, de São Paulo, é um exemplo.
Essas não contêm aditivos químicos pesados.
Deixar de comer salsicha também não mata ninguém.
Marcos Nogueira