Aberrações Que
Cometemos Ao Cozinhar Massas
Fonte: MSN - 11/12/2017
© Fornecido por El Pais Brasil Alberto Sordi comendo
massa
Quando se trata de recorrer a cozinhas de outras
culturas, uma coisa cer-ta: nada como a italiana, com
permissão à japonesa.
Mas, essa preferência – às
vezes, dependência – está em sintonia com o nosso nível
de conhecimento sobre sua gastronomia?
Quatro especialistas nos ajudam
a pôr as coisas no lugar.
Não pretendemos dar todas as
orientações para se aprender a cozinhar os 200 tipos
diferentes de massa, mas, sim, pelo menos, prevenir para
que não se destroce o macarrão com tomate.
Erro 1:
Jogar a massa sem esperar que
a água ferva
Você fritaria, por exemplo, batatas sem esperar que o
óleo esteja sufici-entemente quente?
Não, isso deve ser feito quando
o óleo estiver a
180º, uma
temperatura que para os não profissionais é complicado
adivinhar com um simples olhar (daí
alguns resultados).
Com a massa é muito mais
simples: é preciso, claro, esperar que a água chegue ao
ponto de ebulição (ou
seja, quando começa a borbulhar).
“Jogar
quando a água ainda não está fervendo é como se você
quisesse fa-zer batatas fitas com óleo frio”,
afirma Angelo Marino, proprietário e chef do
restaurante Mercato Ballaró.
E acrescenta: “A
massa tem de ser colocada quando a água ferver para que
possa desgrudar bem e que, por fora, como acontece com
as batatas fritas, fique crocante enquanto a parte de
dentro cozinha”.
Erro 2:
Se vou fazer macarrão só para
mim, um pouco de água é suficiente
Muitas vezes, quando cozinhamos, sobretudo se for apenas
para nós mes-mos, tentamos sujar o menos possível, por
isso queremos fazer nossa massa em uma panela pequena.
Erro: o macarrão tem de
nadar na água que colocamos para ferver.
Não se deve esquecer, como diz
Angelo Marino, que “a
massa necessita de quantidade suficiente de água para
que não fique endurecida. Encha sempre a panela de água,
e que ela cubra a massa uns quatro centímetros mais ou
me-nos.”
Erro 3:
Primeiro ponho o sal e depois
a massa
“Sempre se deve
colocar o sal depois que a massa for jogada na panela,
com a água fervendo, porque se o fizermos antes o ponto
de ebulição é retarda-do”,
lembra Marino, que insiste também em que é preciso ser
generoso na hora de salgar: “A
quantidade é mais ou menos de 15 gramas (uma colher de
sopa) por litro de água”,
acrescenta.
E não parece exagero, já que a
maior parte do sal ficará na água.
Erro 4:
Coloco para ferver e vou
mandar um 'whatsapp'
Cozinhar este prato é um processo que requer pouco
conhecimento gastro-nômico, mas é preciso saber escutar
a massa, atendê-la.
“Um
erro muito comum consiste em que, depois de jogar a
massa na água, a pessoa se esquece de que é preciso
mexê-la de vez em quando”,
diz o chef do Mercato Ballaró.
E é necessário fazer isso desde
o primeiro momento, para evitar que gru-de.
Ah! Se a massa é comprida, é
preciso, antes, “empurrá-la
lentamente para que a água a cubra, e depois mexer”.
Erro 5:
Jogo a massa na parede para
saber se está no ponto
Muitos de nós fomos criados com a ideia de que a melhor
forma de ver se a massa está pronta é jogar um pedacinho
contra a parede da cozinha.
Se gruda, então está no ponto.
Sem dúvida, é uma das lendas
urbanas que, certamente, algumas publica-ções dos anos
80 fomentaram e que hoje continuamos acompanhando (basta
dar um google).
A lenda não nos dizia se estava
exatamente no ponto, um pouco mais cozi-da.
“Como
toda lenda, terá um fundo de verdade”,
diz Marino, embora a seguir dê uma gargalhada porque
você não vai ver nenhum italiano cometer tal sacrilégio
tão pouco higiênico.
Antes de sujar os azulejos,
melhor cortar a massa e ver se tem um ponti-nho branco no
centro.
Erro 6:
Sempre deixo a massa um tempo
no escorredor
“O erro mais comum
é não seguir o tempo de cozimento indicado no paco-te”,
afirma Marino.
Embora também se deva levar em
conta diferentes fatores que, sem dúvi-da, encurtam esse
tempo.
Por exemplo, se você escorre a
massa e a deixa no escorredor, ela conti-nuará
cozinhando, e se fica mais tempo do que deveria, você
quase a perde por completo.
Além disso, na Itália o prato é
finalizado na frigideira, com os temperos, por isso
Marino aconselha: “Se
você vai saltear a massa, melhor escorrê-la um minuto
antes”.
“Se
você a cozinha durante o tempo que o pacote marca e em
seguida co-loca o molho, a massa cozinha demais”,
adverte Ignacio del Campo, proprietário do Restaurante
Coppola, que recomenda: “Cozinhe
a massa seca na metade do tempo que costumam colocar no
pacote, e a fresca, durante um minuto e meio, para
depois terminar de cozinhá-las com o molho.”
E um conselho:
O molho sempre
espera a massa. Assim, nem pense em prepará-lo depois de
a massa ter cozinhado.
Erro 7:
Isso de 'al dente' me parece
que não serve para nada
Há séculos, a massa era cozinhada durante um longo tempo
em um caldo.
Foram os napolitanos que
decidiram encurtar tais tempos para que não fi-casse tão stracotti (cozida
demais).
De modo que, se estão há tanto
tempo trabalhando com a massa, ninguém como eles para
decidir o que significa um termo que inventaram: al
dente.
Esta expressão italiana
significa “ao
dente” e designa o
grau exato de coc-ção da massa: deve ser retirada do
fogo e escorrer quando ainda estiver firme ao ser
mordida.
Na Itália a massa é firme, e
não dura. “Somos
maníacos com esse al den-te”,
confessa o italiano Alfredo Rodolfi, um dos sócios do
restaurante Bacaro (Carrer
de Jerusalem, 6, Barcelona).
“Mas
somos assim com todo tipo de alimentos”,
reconhece Marino.
“Não
suportamos um arroz passado, e preferimos tanto as
verduras como os legumes crocantes.”
Talvez por trás disso também
haja uma preocupação com a cozinha saudá-vel.
E a massa
al dente
tem, entre outras coisas, um menor índice glicêmico.
Erro 8:
Jogo um pouco de água fria
para interromper a cocção
Está muito enraizada a ideia de que jogar água fria na
massa, depois de co-zida, é a melhor forma de não
continuar mais em cozimento.
Alfredo Rodolfi é bem claro
quanto a isso: “Não
adianta nada jogar água fria por cima, não precisamos
desse choque térmico para nada. Afeta, para o mal, a
textura e o sabor da massa”.
Erro 9:
Jogo a água de cozimento pelo
ralo
Acaba o cozimento.
O que faço com a água?
Pois jogo pelo ralo.
Um momento, um momento.
O especialista Rodolfi propõe
algo melhor: “Reservar
um pouco dessa água (Atenção! Um pouco) para quando
formos saltear o macarrão com o molho. Assim conseguimos
que fique mais saboroso”.
Erro 10:
Jogo um pinguinho de azeite
na água
“Não é preciso.
Para quê? Faz com que a massa fique escorregadia e não
acrescenta nada”,
afirma categórica Nicoletta Negrini, diretora da
Negrini, a distribuidora de produtos italianos.
Mas pode, sim, fazer sentido
incorporá-lo – embora não necessariamente – depois que a
massa estiver cozida, “quando
você a tira do escorredor, para que não grude, se você
tiver de esperar alguns minutos para salteá-la. Assim
ficará mais fluida”,
afirma Negrini.
Também propõe substituir o
azeite por manteiga “se
você for preparar um molho com carne, com ragu de
cordeiro, por exemplo, e com o molho à bolo-nhesa ou à
genovesa. Se levar peixe, melhor usar azeite, mas sempre
pouco, so-mente um detalhezinho”,
especifica.
Erro 11:
Coloco molho à bolonhesa nos
meus espaguetes
Uma coisa tem de ser muito bem fixada: cada massa vai
com seu molho.
E tudo tem um sentido.
“As
pessoas compram uma massa e a combinam com qualquer
molho”, diz
Nicoletta Negrini, que, por exemplo se alarma quando
pedem espaguete à bolo-nhesa.
“Não
é o apropriado. O molho à bolonhesa requer uma massa que
agarre bem. Com os espaguetes, ele se perde, escorre. A
cozinha italiana é uma ques-tão de harmonia, em cada
bocado você tem de degustar parte de massa e de molho.”
Então, que massa cai bem com um
bolonhesa?
Tagliatelle, e na realidade a
receita perfeita teria que ser tagliatelle ao ragu,
porque o molho bolonhesa original tem mais carne que
tomate.
Infelizmente, as versões do
molho feitas na Espanha são líquidas demais.
Esse equilíbrio do qual fala
mais acima nossa especialista Nicoletta Negrini se
consegue, por exemplo, quando adicionamos pesto aos
trofies ou linguini, en-quanto iria para o espaço se
colocarmos muito molho em uma massa recheada.
“Mata
todos os seus sabores e você não desfruta do recheio”,
afirma.
Erro 12:
Coloco creme de leite no meu
molho à carbonara
Quem decidiu incorporar creme de leite à receita do
molho à carbonara?
“A
receita do molho à carbonara não leva creme de leite. Se
coloca muito e ele foi sendo transformada a ponto de se
tornar um molho totalmente diferen-te do que era
originalmente”,
diz Ignacio del Campo.
Mas não só o uso do creme de
leite em lugar dos ovos é um dos erros que cometemos
quando fazemos este molho.
“Seu
forte sabor se esfumaçou com o uso do parmesão – além do
mais, nem sequer se costuma usar um bom– em lugar do
pecorino, um queijo de ove-lha curado”,
observa.
“E
se formos seguir estritamente a receita, além da pimenta
preta é preciso colocar toucinho e pedaços de carne de
porco curado com alecrim em vez de bacon”,
especifica.
Erro 13:
Ponho creme de leite no risotto
Na mesma linha, o proprietário do Coppola destaca outra
“aberração”
que nos “permitimos”
na hora de preparar um risotto.
“É
preciso trabalhar bem o arroz para que o amido saia.
Depois, com esse amido, fazer o molho em questão. As
vezes chega a pensar que se não levar cre-me de leite
não é risotto”,
afirma.
O risotto tem uma técnica
trabalhosa.
Trata-se de ir acrescentando
caldo de arroz pouco a pouco e sem parar para conseguir
essa textura melosa.
Você pode jogar creme de leite,
claro, para obter textura, mas já é outra técnica
diferente e, além do mais, um aporte maior de calorias e
gordura.
Erro 14:
Eu cozinho massa muitas vezes
porque é o melhor ‘fast food’
Quem não recorre a um prato de macarrão quando mal tem
tempo para preparar a comida?
Afinal, são menos de dez
minutos, acrescentamos qualquer molho de tomate e o que
houver na geladeira, e ronto.
Certamente porque, como diz
Ignacio del Campo, “associamos
o macarrão com comida rápida e barata, mas não deveria
ser assim. A culinária italiana deve ser feita com a
melhor massa possível e os melhores ingredientes, os
melhores tomates, o melhor queijo... Aliás, os
italianos costumam pedir pratos simples, porque querem
ver se o produto é bom e apreciá-lo. Não querem que a
qualida-de dos ingredientes seja distorcida. E isso não
ocorre em nosso país”.
Erro 15:
Eu adoro com abacaxi. Só que
não, não vale tudo
O midiático chef italiano Andrea Tumbarello costuma
dizer: “A massa, a
pizza e o arroz são cabeças vazias onde se pode colocar
de tudo... mas com cri-tério”.
O menu do Coppola, por exemplo,
deixa-se levar pela inovação, com pizzas que podem
incorporar uísque, gim, vinho tinto ou cerveja, da mesma
forma que incluem rodelas de laranja ou de pepino.
“Se
você faz com prazer, pode colocar praticamente qualquer
coisa em um prato de massa ou de pizza. Menos abacaxi!”,
diz, rindo, Ignacio del Campo.
Este assunto espinhoso (o
do abacaxi) faz
lembrar como caiu mal entre os espanhóis a iniciativa do
famoso chef inglês Jamie Oliver de colocar chouriço na
paella.
Na verdade, é na pizza onde
mais se acrescenta abacaxi, e isso ocorre por influência
norte-americana.
Os italianos se rebelam diante
dessa intromissão e apresentam argumen-tos:
o abacaxi encharca a
massa e o gosto agridoce dessa fruta mata todo o sa-bor
do resto.
Erro 16:
Além do garfo, uso faca e
colher
Uma coisa é que tenhamos de pôr o serviço completo por
pura cortesia e outra, bem diferente, é que nos
enrolemos com os talheres.
“Só
podemos pegar a massa com colher quando se trata de uma
sopa, e se você usa a faca para cortá-la, é sinal de que
não aprendeu desde pequeno a co-mê-la bem. Na Itália, só
se usa faca para que as crianças possam comer bem o
macarrão”, afirma
Nicoletta Negrini, que compara o ritual de usar só o
garfo ao que fazem os chineses com os palitinhos.
Erro 17:
Não como macarrão de noite
porque engorda muito
Nicoletta Negrini também joga por terra aquele mito de
que não se deve ingerir carboidratos de noite (veja
bem, um caso bem diferente é quando fala-mos daqueles
carboidratos menos saudáveis, como doces, bebidas
açucaradas, alimentos processados...).
Para nossa especialista, comer
massa no jantar não é algo ruim - nem, ne-cessariamente,
engorda: “Depende
do molho que se coloque. Talvez de noite fosse melhor
não misturá-la com proteínas, apostar numa massa de
sêmola de grão duro, que não tem ovo, e limitar a
quantidade ingerida a 60 gramas (a quantidade normal é
de 80)”, afirma.
E é aí onde volta a surgir o
famoso al dente, que, segundo Nicoletta Negri-ni, engorda
menos.
“Quando
a massa é cozida demais, ela é pior digerida, é como um
tijolo. Além disso, solta mais amido, que se transforma
depois em açúcar no estôma-go”,
assinala.
Erro 18:
Vê um espaguete aí para eu
levar
A italiana é, juntamente com a japonesa, a cozinha
internacional à qual os espanhóis mais recorrem quando
pedem comida para levar.
Rodolfi se rebela contra essa
opção: “Nego-me a
oferecer serviço de take away em meu restaurante”,
diz.
“Minha
comida não pode ser consumida em casa quinze minutos
depois de ser preparada, porque se perde a essência do
que estou dando. Se você espera que entreguem massa em
sua casa e depois a requenta, isso muda completamen-te o
sabor, não se pode comer.”
Erro 19:
Se um restaurante italiano
não tem pizza, vou lá
“Quando alguém faz
uma reserva ou vê o menu, pergunta imediatamente: tem
pizza?”, afirma
Rodolfi.
Por sorte, esse preconceito
está mudando, e pouco a pouco os espanhóis vão
percebendo que a culinária italiana é mais ampla, que
varia dependendo de cada região, e está sendo criada
mais cultura em torno da massa.
Mas Nicoletta Negrini aponta: “Na
Espanha ainda não se aprecia tudo que se deveria. E até
mesmo muitos profissionais, muitos entendidos, não sabem
dis-tinguir os diferentes tipos de massa”.
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