NILO SOARES
FERREIRA
MEU PAI POETA
A melhor forma através da qual posso tentar a homenagem ao meu pai, o Poeta Nilo Soares Ferreira, é esta de cantar seus versos e, entre tantos por ele deixados, especialmente aqueles nos quais as suas inspirações jorraram em Poesia intimamente ligada à sua gente e à terra que o acolheu ao nascer... a histórica Itanhaém.
Encontro, numa crônica de meu pai datada de 11.03.1937, portanto 10 anos antes do nascimento desta sua filha, quem sabe, a forma simples de como gostaria, o Poeta, fosse iniciada a biografia da sua curta, porém, fecunda vida:
"Filho da lendária e vetusta Itanhaém, cidade praieira que tem o seu sonho de tradição embalado nos sussurros do oceano quando espreguiça a cabeleira de salsugem na pele fofa das praias morenas. Nascido entre aquela gente, pacata e despreocupada, que não se impressiona, ainda mesmo que o vento sul esporeie de rijo o lombo rajado das ondas fazendo o monstro marinho, altivo e impetuoso, espadanar-se agressivo nos costões eriçados do Taquanduva, urrando espumejante... Nascido naquele histórico rincão que emprestou a magia inspiradora aos poemas sentimentais de Vicente de Carvalho e ao enamorado pincel de Benedicto Calixto..."
Em Itanhaém voltava à infância, dispensava o permanente terno, gravata e camisa sempre branca da semana para, de calças de flanela, camisa surrada e alpargatas, reencontrar-se consigo mesmo... Fui sua companheira permanente de pescarias. Mas momentos havia em que se recolhia a passear sozinho pela praia da nossa rua "A rua, tendo ao fundo, o velho mar..." nessa rua o refúgio do Poeta e ao fundo, no seu tempo, o jundú onde sentava solitário e versejava, hoje a Praça que a cidade, merecidamente, com seu nome reverencia o filho poeta.
Creio que ali, naqueles momentos, ao sabor da maresia e ao som das ondas quebrando na praia de areias finas e alvas, era tomado pela inspiração para cantar em versos à sua terra e à sua gente, entre outras: Sentimental, Itanhaém, Minha Terra, O Caiçara, Canção ao Crepúsculo, Canção Praiana, Cantiga Praiana, Ilha Queimada, Crepúsculo Itanhaense.
Em reverência ao Meu Pai Poeta iniciei com a sua história e parte de sua obra o link Trilhas Consagradas do meu recanto Vida em Caminho mas, constato que, sobre esse vínculo do ilustre itanhaense com a sua Poesia, apenas um poema -Tabor Itanhaense, lá foi publicado. Assim, resgato como relíquias alguns outros poemas e os canto em homenagem, neste dia consagrado aos pais, ao Meu Pai Poeta. Mas antes envio a ele, com todo o meu saudoso carinho, o meu recado, De Prontidão, sei que vai rir sim mas, sei que feliz vai sentir orgulho de mim, sua filha. Guilhermina - nome da sua mãe querida.
MINHA TERRA
A minha Itanhaém é um escrínio sagrado
onde se guarda a fé - o róseo diamante -
que Abarebebê descobriu na alma tupi
e Nóbrega burilou e Anchieta engastou
além da Serra Azul, na azul Piratininga
Irradiando a luz... Descobrindo o Brasil...
Minha terra surgiu de um impulso viril...
Foi o Tupiniquim daqui, de Tapirema,
que ensaiou e ensinou a paz com Cunhambebe
- O tamoio-Caim, instrumento de incréus...
Foi aqui que aportou o bergantim dourado,
trazendo o glorial do Seráfico de Assis,
a ternura, a doçura, o amor reverberado
na beleza da vida, a beleza dos céus...
Minha Terra estacou entre os homens e Deus...
Foi daqui que saiu a bandeira do sonho,
nos primeiros clarões do dealbar da História...
foi daqui que partiu a Esperança sorrindo,
na doce inspiração que enriquece o planalto...
Aqui, as gerações se esmeraram na arte
- a pintura, a poesia, a música bendita...
Sentimento que vem como sopro divino
e depois, lá se vai, em perfume, no alto...
Minha Terra evocou o eterno sobressalto.
O eterno vai e vem das ondas nos costões,
O eterno desfolhar, nas praias, dos sendais...
Minha Terra é um poema em notas musicais,
cantando a mansidão magnífica do mar;
Declamando a amplidão beatífica do azul;
Desfolhando a ilusão de uma flor venturosa...
A minha Itanhaém é tela primorosa
esplendente de luz, em vivo delirante...
Aquela serra azul é um traço no infinito,
limitando, talvez, a profusão da cor
em pinchos e borrões pelas várzeas afora...
Minha Terra, ao gemer dos sinos, à tardinha
é a mais doce emoção que de Deus se avizinha!
O CAIÇARA
Quanto invejo tua sorte, bom praiano,
no teu sítio, na praia muito além,
na santa paz de um coração humano
a
palpitar, sem ódio de ninguém...
A
tua grande ambição é a calmaria:
a
pesca no alto mar ou no costão
e
ouvir, à tarde, quando o inhambú pia,
dar um tiro gostoso no grotão...
Bem pertinho se estende tua esperança
o
verde mandiocal, tremendo à brisa
que acaricia e que também balança
na cerca de jiçara, uma camisa...
O
teu grande consolo é a filharada
brincando em derredor ao cajueiro
ou rolando, na noite enluarada,
pele
areia limpinha do terreiro.
A
tua estimação, essa é o "Teimoso",
O "Fiel", a latir sempre com fome
e
aquele magricela do "Tinhoso"
que à sexta-feira vira lobisome!...
O
teu maior prazer tem o destino
de percorrer toda a extensão praiana
e
soltar rojão quando o "Divino"
entra festivo pela tua choupana...
No rancho do jundú, o teu "Embrulho"
-
como dizes sorrindo, à tua canoa -
essa que compartilha o teu orgulho,
quando traz em seu bojo uma caçoa...
E
refletindo nisso, bom praiano,
sinto inveja de ti, na tua humildade,
porque bem sei que o coração humano
só bem humilde, tem felicidade...
E
invejo tua sorte, bom caiçara,
essa tua expressão de bem estar
quando estás em tua casa ou na "coivara"
ou pondo o "picaré" no lagamar...
Porque, embora assim tão desprezado,
sem contar com ninguém, senão os teus,
tens a fé que te faz um conformado
na
vontade santíssima de Deus...
Canção ao Crepúsculo
É a
hora em que a sombra na praia se alonga
e vem a
tristeza morar no jundú!...
No
fundo do brejo, clarina a araponga!
Na
serapilheira solfeja o inhambú!...
O pombo
do mato compassa esse instante,
gemendo, em ternário, decerto chamando,
pedindo, em lamúrias, ao sonho distante,
rogando, em gemidos, rogando...rogando...
É
sempre a essa hora que o anseio amofina!
É
sempre à tardinha que o que já passou
assopra
aos desejos a meiga surdina
na doce
esperança que o sonho voltou!
Mas
sobre o barranco, na moita rasteira,
ocultam-se os últimos raios de sol
e onde
a saudade (sabiá-laranjeira)
ensaia,
tremendo, soprando em bemol!...
Então,
a lembrança, sentida ciranda,
nas
frondes se veste de escuro...entardece!..
Na
festa do amor... O mar rege sua banda
e na
praia, tranquila, ninguém aparece!...
Cantiga Praiana
Esse
mar calmo e briguento,
parece
ter pensamento
e ter
coração humano...
Ou
então dentro da gente,
furioso
ou complacente,
mora um
pequeno oceano...
ILHA QUEIMADA
Porque,
fronteira à vila, a todo instante,
tinha
uma ilha sempre o meu olhar,
acostumei-me em vê-la, assim distante,
no
formato de um "M" sobre o mar...
Era um
"M" qualquer, que em mim vivia,
como
sorriso iluminado ao sol
e que à
noite, sonhando, se acendia,
com
lágrimas de luz do seu farol...
Era
afeição, na eterna vigilância,
afastada de mim pela distância,
mas
vivendo sua vida em meu destino,
com
sorrisos e prantos acolhendo
os
sonhos e ilusões que andei tecendo
na
minha ingenuidade de menino...
CREPÚSCULO ITANHAENSE
Cai a
tarde outonal! Desce da altura
um
poema de luz emocional,
como se
mãos ungidas de ternura
sacudissem, no céu, um roseiral!...
Rolam
ondas em súplicas divinas!
No vai
e vem ungido de alegria,
perpassam sonhos e sutis surdinas
que
outrora ouvi, na extrema-unção do dia!...
E na
praia, perdida na distância,
restam
sombras tão meigas para mim,
da
sedutora e carinhosa infância,
modelada em prazer tupiniquim!...
Giuvura, Itapoá, Itapevinha...
Invectivando o mar em sua nudez!
O
Pontal, a Salina, a Fazendinha;
na cruz
do Boqueirão, em certa vez
um tié
e um sanhaço bodoquei!...
Aquele
vulto além, o abricoeiro
guardando as emoções as quais passei
pelo
barranco do jundú fronteiro...
Cai a
tarde outonal. A Luz desmaia!
Vão e
vem as lembranças, uma a uma...
Soluça
o mar e, na extensão da praia,
deslizam ondas, lágrimas de espuma!...
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Fundo Musical: Chorinho Alguém que passou
De: Waldir Azevedo