Dançando às cegas!

Recebi em 04/03/2013



Aconteceu num ontem deste meu romântico passado.
Lá estava ela sentada a uma das mesas perto da pista.
Linda morena, despertou-me atração à primeira vista.
Estaria só, por descuido de algum incauto namorado?

Dirigi-me a ela levado pela intrepidez de minha juventude.
Boa noite! O que faz uma linda moça aqui sentada, sem dançar?
Desculpe-me, mas a curiosidade é uma de minhas várias virtudes.
Sorrindo, ela respondeu meu cumprimento, porém sem me olhar.

Você se importaria se eu sentar-me e fazer-lhe companhia?
Em absoluto, fique à vontade, vim com meu irmão e sua namorada.
Que tal então dançarmos também e quebrarmos esta monotonia?
Ainda sem me olhar, disse-me que era desajeitada e acanhada.

Antes de convencê-la, o irmão e sua namorada voltaram à mesa.
De pé, trocamos apresentações e cumprimentos que me dirigiram.
Álvaro fez sinal com a mão para sentar-me. Agradeci a gentileza.
Você já conhecia minha irmã ou somente hoje é que se viram?

Acabamos de nos falar e ainda nem sabemos como nos chamamos.
Estou só e minha intenção era apenas convidá-la a dançar comigo.
Então, deixe-me apresentá-los. Tereza este é Ary, nosso novo amigo.
Levantei-me para beijar sua mão, mas ela ficou de pé e nos abraçamos.

Muito prazer, disse-me ela. Reprimindo minha estranheza,
Voltei a sentar-me olhando fixamente para os olhos de Tereza.
Eram lindos, mas parados, ela era cega! Uma deficiente visual!
Glaucoma! Disse-me Álvaro. Atônito, respondi-lhe: não faz mal!

A orquestra tocava uma série de boleros, meu ponto fraco!
Em sussurro, disse para Tereza: prepare-se, vamos dançar!
Acrescentei: juro que não pisarei seus pés, nem farei fiasco!!
Peguei-a pela mão e levei-a à pista. Insegura, queria voltar.

Sentiu-se mais confiante quando envolta em meus braços.
Guiei-a em nuvens, passos lentos e cadenciados, ela sorriu!
Curioso, perguntei-me: como ela me aceitou, se nunca me viu?
Gostei de sua voz, seu galanteio, seu perfume e do seu abraço.

Incrível! Acabei de fazer-me esta pergunta e você me respondeu!
Resta-me ler pensamentos, já que não posso as pessoas enxergar.
E sorriu o sorriso mais puro e lindo que jamais pude apreciar.
Silente pensei: Afastai-me da piedade e dê-me o amor, meu Deus!

Deslizamos harmoniosamente pelo salão em passos ritmados.
Num ímpeto incontido, beijei-lhe nos lábios como dois namorados.
Pareceu-me que ela simulou surpresa daquilo que já era esperado.
Nascia ali, no beijo correspondido, nosso relacionamento apaixonado.

Para não alongar demais meu poetar, resumo que Tereza foi uma das experiências mais maravilhosas vividas em meu passado. Íamos ao cine-ma “assistir” filmes nacionais (ela adorava Oscarito e Grande Otelo) e sentávamos invariavelmente na última fileira de poltronas, lugar sempre mais vazio da plateia. Passava para ela meus comentários quando as ce-nas eram demoradamente sem a fala dos artistas, dizendo-lhe o que es-tava acontecendo. Sempre que nos encontrávamos, ela tateava meu rosto, alisava meus cabelos e me dava um romântico beijo na boca. Muito de mim daria para saber qual o retrato meu que ela teria formado no seu imaginário.

Namoramos por mais de um ano, até que seu pai, alto funcionário da Rede Ferroviária Federal, foi transferido para o norte distante e não pu-de acompanhá-la. O destino nos separou, depois de muito aprender com ela. Muito culta e leitora de vários livros escritos em Código Braille, sempre tinha um ensinamento e bons exemplos a me dar.

Acabei com uma amizade que não era amizade, senão jamais teria aca-bado. Foi um colega que certa vez perguntou-me o porquê de “me arru-mar” tanto para ir namorar uma cega que não poderia me ver. Dei-lhe um tapa na cara; inda bem que ele não reagiu pois eu seria capaz de agredi-lo com muito mais violência. Ou até apanhar dele, quem sabe? Mas a raiva que ele me despertou, iria dar-lhe bastante trabalho. Lem-bro-me até hoje do seu nome, mas prefiro guardá-lo pra mim.

TEREZA, ONDE QUER QUE HOJE ESTEJAS, QUE DEUS TE FAÇA FELIZ!

Ary Franco
(O Poeta Descalço)




Fundo Musical: La Barca e La Ultima Noche - Pedrinho Mattar

 
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