Aconteceu num ontem deste meu romântico passado. Lá estava ela sentada a uma das mesas perto da pista. Linda morena, despertou-me atração à primeira vista. Estaria só, por descuido de algum incauto namorado? Dirigi-me a ela levado pela intrepidez de minha juventude. Boa noite! O que faz uma linda moça aqui sentada, sem dançar? Desculpe-me, mas a curiosidade é uma de minhas várias virtudes. Sorrindo, ela respondeu meu cumprimento, porém sem me olhar. Você se importaria se eu sentar-me e fazer-lhe companhia? Em absoluto, fique à vontade, vim com meu irmão e sua namorada. Que tal então dançarmos também e quebrarmos esta monotonia? Ainda sem me olhar, disse-me que era desajeitada e acanhada. Antes de convencê-la, o irmão e sua namorada voltaram à mesa. De pé, trocamos apresentações e cumprimentos que me dirigiram. Álvaro fez sinal com a mão para sentar-me. Agradeci a gentileza. Você já conhecia minha irmã ou somente hoje é que se viram? Acabamos de nos falar e ainda nem sabemos como nos chamamos. Estou só e minha intenção era apenas convidá-la a dançar comigo. Então, deixe-me apresentá-los. Tereza este é Ary, nosso novo amigo. Levantei-me para beijar sua mão, mas ela ficou de pé e nos abraçamos. Muito prazer, disse-me ela. Reprimindo minha estranheza, Voltei a sentar-me olhando fixamente para os olhos de Tereza. Eram lindos, mas parados, ela era cega! Uma deficiente visual! Glaucoma! Disse-me Álvaro. Atônito, respondi-lhe: não faz mal! A orquestra tocava uma série de boleros, meu ponto fraco! Em sussurro, disse para Tereza: prepare-se, vamos dançar! Acrescentei: juro que não pisarei seus pés, nem farei fiasco!! Peguei-a pela mão e levei-a à pista. Insegura, queria voltar. Sentiu-se mais confiante quando envolta em meus braços. Guiei-a em nuvens, passos lentos e cadenciados, ela sorriu! Curioso, perguntei-me: como ela me aceitou, se nunca me viu? Gostei de sua voz, seu galanteio, seu perfume e do seu abraço. Incrível! Acabei de fazer-me esta pergunta e você me respondeu! Resta-me ler pensamentos, já que não posso as pessoas enxergar. E sorriu o sorriso mais puro e lindo que jamais pude apreciar. Silente pensei: Afastai-me da piedade e dê-me o amor, meu Deus! Deslizamos harmoniosamente pelo salão em passos ritmados. Num ímpeto incontido, beijei-lhe nos lábios como dois namorados. Pareceu-me que ela simulou surpresa daquilo que já era esperado. Nascia ali, no beijo correspondido, nosso relacionamento apaixonado.
Ary Franco |