Mensagens de Natal e Ano Novo





Feliz Natal... Sempre!

Não era mesmo possível dormir, com aquele cidadão roncando qual uma charanga velha.

Eu precisava descansar um pouco, pois ao chegar a Munique só teria tempo de correr até o pensionato, tomar uma chuveirada e voar para o curso, para as provas de fim de semestre.

Pego meus pertences e vou em busca de outra cabine, onde encontre companheiros menos sonoros.

O Expresso Oriente desliza macio sobre os trilhos: a sua iluminação noturna do corredor é ofuscada por uma lua que se esmera em brilho.

Como se quisesse ser cúmplice de tanto brancor, campos e árvores vestem um alvo manto...

Sorrio ao pensar que, mesmo sendo fins de janeiro, ainda é Natal!

No canto, perto da janela, dorme uma mulher de rosto jovem, empacotada em roupas; no lado oposto, um homem, também jovem.

Quando abro a porta da cabine, ele salta, como se movido por uma mola; na mão direita, um punhal.

Um grito que não sai, olhos arregalados... sou toda pavor.

Ele sorri, pede desculpas e senta-se.

Enquanto me acomodo, observo-os.

São turcos, por certo.

O sotaque dele, o colorido das roupas, a calça com-prida que ela usa por baixo da saia, o lenço na cabeça.

Com pouco tempo de Alemanha, aprendi a reconhecê-los e distingui-los dos gregos.

São mais alegres, ingênuos, afetivos.

Estranhei, logo ao chegar, ver os homens andando de mãos dadas pelas ruas e cumprimentando-se com um beijo na boca.

Estranhei vê-los sempre tão segregados, menospre-zados, pelos habitantes do primeiro mundo.

Estranhei seus olhos assustados, sempre em alerta.

Mas, logo, pude entendê-los.

Já há trinta e tantos anos o trabalhador estrangeiro era considerado persona-non-grata naquelas paragens, chegando a ser, algumas vezes, agredido em plena rua. (Lembro-me que ao lado de meu pensionato havia um asilo de idosos judeus, sempre com um carro da polícia parado em frente, dia e noite...).

Eles tinham razão.

Não é confortável viver com a sensação de que se é presa, de que se é sub-raça.

Olhos semicerrados, ele também observa a garota lou-ra dos meus vinte anos.

Embora não sinta temor, imagino o que estaria pen-sando.

Percebendo-me também alienígena, num alemão bem deficiente, diz, sorrindo:

"Você não alemã!"

"Brasileira", respondo.

O sorriso largo, de dentes perfeitos, antes aprisionados pelo bigode basto, afirma:

"Futebol!"

De alguma forma, sinto-me em casa.

Então, ele explica o punhal.

Estão retornando a Istambul, após longos anos.

Levam muitos presentes para a família.

Ela, prestes a dar à luz, não teria como ajudá-lo em caso de assalto, o que era comum acontecer naquela época em que turcos e gregos viajavam para o sul, em busca de melhor clima; ele precisava de uma defesa extra.

Cansado, tinha que velar: pelo filho, pela mulher, pelos presentes - fruto de longos anos de um árduo trabalho, de muita humilhação, de muita saudade.

Voltar, naquele momento, era importante para que o filho, tão sonhado, nascesse entre os seus, num chão onde nunca fosse discriminado.

Comovida, digo-lhe que, pelas próximas cinco horas eu cuidaria, que descansasse.

Levantou-se, deu-me o punhal, beijou minha testa em agradecimento, e deitou-se no banco.

O ressonar pesado expressava seu cansaço.

O trem deslizando pela branca noite, enquanto eu contemplava José e Maria deixando Nazaré, rumo a Belém, ela levando dentro de si um menino prestes a nascer.

Lá fora, tudo tão branco, como se fosse Natal.

Em Munique acordei-o, sua esposa também despertou.

Ele lhe diz algo que não entendo, ela sorri e ele pergunta meu nome.

"Patricia", digo.

E ela aponta para o ventre dilatado.

"E se for menino?", pergunto.

"Você escolhe".

Lá fora tudo tão branco...

Entre nós, um sentimento tão intenso de confiança e união, um espírito de tanta boa-vontade entre os homens...

Com os olhos repletos de lágrimas, eu defino:

"Jesus!"

E, enquanto cruzo a Hauptbahnhof*, vou desejando a estupefatos passantes um Feliz Natal!

*Estação Central

Patrícia Neme



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