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Lamartine Babo |
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Irmãos Valença |
Compositores:
Lamartine Babo / Irmãos Valença
(João e Raul)
O teu cabelo não nega, mulata
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não pega, mulata
Mulata, eu quero o teu amor
Tens o sabor, tens o prazer
Tens a alma cor de anil
Mulata, mulatinha, meu amor
Fui nomeado teu tenente interventor
O teu cabelo não nega, mulata
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não pega, mulata
Mulata, eu quero o teu amor
Quem te inventou, meu pancadão
Teve uma consagração
A lua te invejando fez careta
Porque, mulata, tu não és deste planeta
O teu cabelo não nega, mulata
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não pega, mulata
Mulata, eu quero o teu amor
Quando, meu bem, vieste à Terra
Portugal declarou guerra
A concorrência, então, foi colossal
Vasco da Gama contra o batalhão naval
O teu cabelo não nega, mulata
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não pega, mulata
Mulata, eu quero o teu amor
Fonte:
Blog de literatura, cultura e entretenimento
O Teu Cabelo Não Nega
A polêmica marchinha
dos
Irmãos Valença
e de
Lamartine Babo.
Criada no Recife em 1929 e lançada
nacionalmente no Rio em 1931, essa
canção foi excluída do repertório de muitos bloquinhos nos últimos anos.
Afinal, ela é racista?
No mês passado, eu trouxe para a
coluna Músicas a análise de “É Hoje”,
o samba-enredo memorável de Didi
e
Mestrinho.
Naquela oportunidade, lembrei de
outras canções carnavalescas que entraram para a história pela excelência ou
pela polêmica.
Uma faixa clássica que não citei
propositadamente (porque queria
discuti-la com mais profundidade nesse novo post do Bonas Histórias)
é “O Teu Cabelo Não Ne-ga”,
criação de João Valença,
Raul Valença
(mais
conhecidos como Irmãos Va-lença) e
Lamartine Babo.
Essa música se tornou alvo do
cancelamento de vários bloquinhos de Carnaval nos últimos anos.
Acusado de possuir letra racista, “O
Teu Cabelo Não Nega” foi riscado do
reper-tório dos artistas mais engajados de Norte a Sul do Brasil.
Sabendo disso, resolvi comentar hoje
essa composição com o devido cuidado.
Afinal, ela tem ou não tem conteúdo
preconceituoso, hein?
É correto ou é equivocado cancelar
essa música nos festejos populares do país?!
Sei que tratar de temas complexos,
ainda mais na Internet, é estar suscetível à enxurrada de comentários de
todos os tipos.
Infelizmente, as redes sociais e as
seções de comentários dos portais de notícias e dos blogs são utilizadas
mais como válvula de escape para a proliferação do discurso de ódio e menos
como local de diálogo sadio e enriquecedor.
Apesar de estar escaldado com tal
realidade e de ter ciência que muitas vezes o mais fácil é não mexer em
vespeiros, não costumo recusar um bom debate.
Por isso, a ideia desse post da coluna
Músicas.
A proposta aqui é discutir em alto
nível um tema tão delicado e cheio de nu-ances.
Se você não tem estrutura para algo do
tipo, sugiro parar a leitura agora mesmo (e
sem a necessidade de fazer qualquer comentário raivoso contra mim, contra o
mundo e contra espécie humana, por favor!).
Antes de detalhar o conteúdo de “O
Teu Cabelo Não Nega”, preciso dizer
que
essa canção é envolta em polêmicas
desde o comecinho da década de 1930.
E naquela época, o que rendia
discussões acaloradas não era o teor da letra e sim a autoria de sua
criação.
Desenvolvida em 1929 pelos
Irmãos Valença
(Raul e João),
dupla de composito-res de Recife, essa marchinha nasceu com o título de “Mulata”.
Empolgados com a repercussão
extremamente positiva da música em Pernam-buco no ano seguinte,
João e Raul Valença
enviaram a faixa para a famosa gra-vadora
Victor
avaliar.
Eles imaginavam que a companhia
sediada no Rio de Janeiro fosse lançá-los naci-onalmente (o
Rio era a então Capital Federal do Brasil).
Irmãos Valença
- João e Raul |
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Os produtores da Victor
adoraram a canção.
Porém...
Aí vem a primeira discussão!
Ao
invés de chamar Raul e João Valença
para gravar “Mulata”,
os executivos da gravadora optaram por mandar a composição para
Lamartine Babo
mexer.
Eles pediram para o intérprete e
compositor carioca, já famoso em todo o país, adaptar a canção nordestina
para o estilo das marchinhas cariocas.
Encantado com a canção,
Lamartine
não pensou duas vezes e mergulhou no tra-balho.
É verdade que ele mexeu muito pouco na
criação dos Irmãos Valença.
A maior contribuição de
Lamartine Babo
foi tirar da letra algumas gírias
pernam-bucanas (desconhecidas do
público nacional) e trocar elementos
da realidade recifense por aspectos comuns dos ouvintes do Sul e do Sudeste
(tornando a fai-xa mais comercial).
Para completar, o músico carioca
trocou o nome da canção.
Saiu “Mulata”
e entrou “O Teu Cabelo Não Nega”,
justamente a parte principal do primeiro verso.
Além de ter feito as alterações sem
consultar João e Raul Valença,
a Victor
lan-çou “O Teu Cabelo Não Nega”
no Carnaval de 1931 ocultando os nomes dos compositores recifenses.
Para o grande público, a nova canção
era de autoria apenas de
Lamartine Babo,
o cantor encarregado de divulgá-la nacionalmente.
Inconformados com a traição e a picaretagem da gravadora, os
irmãos pernam-bucanos entraram na Justiça.
Não é preciso dizer que eles ganharam
a causa e tiveram seus nomes incluídos como coautores da marchinha, já um
grande sucesso no país inteiro.
Curiosamente, há quem se esqueça até
hoje de apontar os Irmãos Valença como os compositores da música.
E há até quem diga que ela foi criada
em 1931 ou até em 1932 no Rio (e não
em 1929 em Pernambuco).
Passado esse bafafá, “O
Teu Cabelo Não Nega” reinou impassível
como uma das grandes criações do Carnaval brasileiro.
Não é errado dizer que a década de
1930 foi um período prolífico em marchi-nhas clássicas.
Não acredita em mim?
Veja, então, alguns dos grandes
sucessos do Carnaval dos anos 1930 que se mantêm vivos em nossas memórias: “Para
Você Gostar de Mim”, “Linda
More-na”, “Linda
Lourinha”, “Cidade
Maravilhosa”, “Pierrô
Apaixonado”, “Mamãe
Eu Quero”, “Batucada”,
“As Pastorinhas”,
“Há Uma Forte Corrente Contra Você”
e “A Jardineira”.
Aposto que a maioria dessas canções
você conhece.
Elas são patrimônios culturais do
Brasil há quase um século.
Obviamente, “O
Teu Cabelo Não Nega” está nessa lista.
Lamartine
Babo |
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O problema da canção
que estamos analisando hoje é que ela envelheceu mal, muito mal!
Ou, no
melhor dos casos, ela ganhou uma interpretação diferente aos ouvidos do
público contemporâneo.
E note que essa criação dos
Irmãos Valença
e de Lamartine Babo
não faz parte da fase das marchinhas carnavalescas criadas exatamente para
polemizar – uma categoria musical que se popularizou após a década de 1950 e
que tem faixas politicamente incorretas (desde
sempre) como “Maria
Sapatão”, “Cabeleira
do Zezé”, “Coração
de Jacaré”, “Andorinha”
e “Dá Nela”.
Antes de nos aprofundarmos nos
detalhes de “O Teu Cabelo Não Nega”,
veja a letra dessa canção e ouça uma das interpretações mais célebres de
Lamartine Babo.
O Teu Cabelo Não Nega (1929/1931): João
Valença, Raul Valença e Lamartine Babo
O teu cabelo não nega, mulata
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não pega, mulata
Mulata, eu quero o teu amor
Tens o sabor, tens o prazer
Tens a alma cor de anil
Mulata, mulatinha, meu amor
Fui nomeado teu tenente interventor
O teu cabelo não nega, mulata
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não pega, mulata
Mulata, eu quero o teu amor
Quem te inventou, meu pancadão
Teve uma consagração
A lua te invejando fez careta
Porque, mulata, tu não és deste planeta
O teu cabelo não nega, mulata
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não pega, mulata
Mulata, eu quero o teu amor
Quando, meu bem, vieste à Terra
Portugal declarou guerra
A concorrência, então, foi colossal
Vasco da Gama contra o batalhão naval
O teu cabelo não nega, mulata
Porque és mulata na cor
Mas como a cor não pega, mulata
Mulata, eu quero o teu amor
Concentremos a análise
de “O Teu Cabelo Não Nega”
em sua letra.
Impossível ficarmos indiferentes aos
versos iniciais da canção, que depois se transformam em refrão.
Pelo ponto de vista da maioria do
público atual, o quarteto “O teu
cabelo não ne-ga, mulata/Porque és mulata na cor/ Mas como a cor não pega,
mulata/Mulata, eu quero o teu amor” é
um dos mais infelizes da música popular brasileira.
Repare que fui até bonzinho em usar
apenas o termo “infeliz”
para descrever esse trecho.
Poderia não ter recorrido ao
eufemismo, né?
É difícil não enxergar logo de cara
uma forte conotação racista nesse trecho.
O principal problema dessa música está
na impressão inicial que se tem de que a cor da pele mais escura é uma
doença.
Afinal, o verso “Mas
como a cor não pega, mulata” dá a
sensação de que o eu lírico tem certo pé atrás em se contaminar com a cor da
amada.
Se a cor não pega, ele então pode
querer o amor da mulata.
As perguntas que fazemos
intuitivamente são: e se a cor pegasse?
Ele continuaria amando uma mulher
mestiça ou negra?!
Conhecendo a mentalidade racista de
nossa sociedade, a resposta pode ganhar contornos soturnos.
Infelizmente é essa a interpretação
que temos, principalmente quando ouvimos a canção pela primeira vez.
Para piorar, esse trecho da letra vem
logo depois do verso: “O teu cabelo
não ne-ga, mulata”.
Por muito tempo, o cabelo dos negros
foi alvo de preconceitos.
Se nos dias de hoje ele serve de instrumento de
afirmação da negritude, há algu-mas décadas não era assim.
Desde sempre muito eurocêntrica, a
sociedade brasileira nutria (ou seria
nutre?) certa reticência para a
estética e para o padrão de beleza que fugisse (fuja!)
do ideal do Velho Continente.
Basta vermos os modelos que o cinema,
a literatura e a música nacionais insis-tem em louvar.
Aí quando o eu lírico (um
homem branco) já começa a música
apontando o dedo para o cabelo da moça negra, sentimos naturalmente um
arrepio na alma.
Outra questão delicada do
refrão/versos iniciais da marchinha
é o uso do termo
mulata,
visto nos últimos anos como extremamente preconceituoso.
Segundo alguns estudiosos da
etimologia da língua portuguesa (eu
disse alguns porque isso não é consenso, tá?),
a expressão mulata/mulato
deriva da palavra mulo/mula.
Ou seja, a união de pessoas brancas
com pessoas negras seria um processo pare-cido ao do cruzamento dos
cavalos/éguas com os jumentos/jumentas.
Enquanto os frutos das relações
humanas seriam os mulatos,
o cruzamento das duas espécies equinas
daria a mula.
Forte isso, né?
Chega a ser assustador
(e hediondo)
esse tipo de comparação.
Carnavalesca |
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É verdade que os
compositores de “O Teu Cabelo Não Nega”,
muito provavel-mente, não soubessem dessa conotação do termo “mulata”
(ainda hoje muita gente não sabe!).
Acredito que eles usaram “mulata”
para fugir da expressão “morena”,
sempre dúbia (morena seria a mulher
branca de cabelo negro ou seria a mulher negra?).
O embaraço é que a palavra “mulata”
(com a conotação aterrorizante que
vimos no parágrafo anterior) aparece
repetidas vezes na canção (praticamente
uma vez em cada verso do refrão).
Ou seja, os problemas da marchinha vão
se acumulando, se acumulando, se acu-mulando...
E ainda não saímos sequer do quarteto
inicial.
O último verso desse trecho inaugural
ainda traz uma nova complicação (sim,
os problemas da letra não cessam!).
Isoladamente, “Mulata,
eu quero o teu amor” não ganharia
contornos negativos.
O fato do eu lírico (um
homem branco) desejar o amor da mulher
negra não é errado.
O que incomoda é que, logo mais à
frente na canção, surgem os versos: “Mulata,
mulatinha, meu amor/Fui nomeado teu tenente interventor”.
Ou seja, o amor do eu lírico é do tipo
impositivo, mandatório, autoritário.
Impossível não nos recordarmos da
exploração sexual das mulheres negras pelos senhores de engenho no Período
Colonial Brasileiro.
Vistas como mercadorias pelos patrões,
as escravas eram obrigadas a se deitar com os homens brancos.
Nesse sentido, não ajuda em nada o
fato de os primeiros elogios à mulata serem “Tens
o sabor, tens o prazer”.
Unindo o verso “Mulata,
eu quero o teu amor” (destaque para a palavra QUERO –
sinônimo de exijo) com o verso “Fui
nomeado teu tenente interventor” (ênfase
para a expressão TENENTE INTERVENTOR – sinônimo de alguém que manda e que
não quer ser contrariado), temos em “O
Teu Cabelo Não Nega”
um novo tipo de violência: o machismo.
Por essa perspectiva, o eu lírico não
quer conquistar o coração da amada.
Ele quer simplesmente se apossar dele.
Do ponto de vista da sociedade
patriarcal brasileira, quem manda é o homem; e a mulher (até
para as coisas do coração) deve ser
submissa.
Assustador, né?!
Se você analisar meticulosamente os
dois primeiros quartetos da marchinha dos
Irmãos Valença
e de Lamartine Babo,
na certa nunca mais irá querer ouvir essa canção nem irá querer tocá-la – se
você for músico(a) e/ou carnavalesco(a).
Por essa linha, os bloquinhos
contemporâneos estão certíssimos em cancelar “O
Teu Cabelo Não Nega”.
O Carnaval brasileiro (e
nossa sociedade como um todo) não
precisa de composi-ções racistas, machistas e que enalteçam a violência
sexual.
Cristo Redentor |
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Entretanto, a discussão
não termina aqui.
Seria muito fácil atirar a
letra dessa música para o submundo da cultura nacional e ignorá-la para
sempre a partir da análise de seu trecho inicial.
À medida que nos debruçamos no
restante da canção, surge, acredite se quiser, uma outra interpretação.
Aí o conteúdo da marchinha
passa longe da acusação de racismo e/ou de machis-mo e se torna quase que uma
homenagem à mestiçagem brasileira.
Exatamente por isso, muita
gente não vê qualquer tipo de preconceito e de vio-lência sexual nos versos,
o que torna o debate envolvendo “O Teu
Cabelo Não Nega” ainda mais rico e
plural.
Para entendermos o contraponto dessa
história tão paradoxal, precisamos mer-gulhar nos versos finais da canção.
Aí enxergamos em “O
Teu Cabelo Não Nega” uma exaltação à
morenice, algo muito comum nas composições desenvolvidas entre as décadas de
1930 e 1950, quando o Brasil dava os primeiros passos em busca de sua
identidade nacional e na valorização de suas raízes culturais.
Lembremos que o início dos anos 1930 é
o começo da Era Vargas.
E de acordo com a
Política Cultural do Governo de Getúlio
Vargas, as manifesta-ções artísticas
deviam enaltecer tudo aquilo que era genuinamente nosso.
Daí a importância crescente do samba,
das marchinhas e do Carnaval.
E da mestiçagem, uma das
características mais marcantes da nossa população.
Repare nos versos: “Quem
te inventou, meu pancadão/ Teve uma consagração / A lua te invejando fez
careta/ Porque, mulata, tu não és deste planeta”.
Agora eu pergunto: onde está o
racismo, o machismo e a violência sexual dessa música, hein?!
É complicado apontar algo de errado
quando conhecemos o restante da letra.
A impressão negativa inicial
desaparece quando o eu lírico começa a valorizar a
mulata
que tanto ama.
Esse trecho dialoga intimamente com o verso “Tens
a alma cor de anil”.
O
homem branco
aparentemente machista e racista vai dando lugar ao sujeito perdidamente
apaixonado, que só vê aspectos positivos na amada (como
qual-quer pessoa enfeitiçada pelas imposições do coração).
Se os compositores eram
preconceituosos, por que eles passaram a enaltecer a mulher de pele escura?
A partir daqui, tive a sensação de que
a primeira metade da canção possa ter sido uma sucessão de expressões mal
colocadas (e que aos olhos e ouvidos
contempo-râneos pareça tão incômoda).
Mais do que maldosa, a letra dessa
música me soa simplesmente infeliz quando investigada fora de contexto (entenderam
agora o porquê usei o termo infeliz no início desse post?!).
Caravela |
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O quarteto final da
canção reforça ainda mais essa interpretação positiva.
Note que “Quando,
meu bem, vieste à Terra/ Portugal declarou guerra / A con-corrência, então,
foi colossal/ Vasco da Gama contra o batalhão naval”
confere uma nova e alternativa tese para a colonização portuguesa no Brasil.
Nos séculos passados, segundo a
música, os lusitanos não estavam atrás dos re-cursos naturais e econômicos
quando se lançaram ao Além-mar.
Eles estavam, na verdade, encantados é
com a beleza do povo brasileiro (no
caso das mulheres) e queriam fazer
parte dessa união internacional/interracial.
Pode parecer absurda essa análise de
culto à miscigenação já que o Brasil é um dos países mais racistas do mundo,
mas ela não é tão incongruente assim.
Uma das propostas culturais da
Era Vargas
era justamente valorizar tudo aquilo que fosse tipicamente brasileiro e que
enaltecesse a nossa cultura.
Não à toa,
o Carnaval viveu um período dourado
entre as décadas de 1930 e 1950, com o
governo promovendo as festas populares e os bloquinhos de rua, ao invés de
tentar proibi-los e de persegui-los, como fora comum até então.
Seguindo essa linha ideológica, surge,
então, a teoria que a força do brasileiro estaria na miscigenação dos povos
que por aqui se encontraram (em
oposição à eugenia, que condenava os indígenas e os negros a uma categoria
social inferior).
O principal nome da teoria chamada de
Democracia Racial
foi Gilberto Freyre
– sua obra-prima “Casa
Grande & Senzala” (Global
Editora) é, por exemplo, de 1933.
Duas décadas e meia depois,
Nelson Rodrigues
não se cansava de afirmar nas páginas da crônica esportiva que o domínio do
futebol brasileiro era fruto das características peculiares dos nossos
jogadores, os únicos nascidos da união
bem-azeitada de brancos,
negros,
índios
e
asiáticos.
Leia “Pátria
de Chuteiras” (Nova
Fronteira), coletânea de artigos
futebolístico de Nelsão,
e veja isso na prática.
Como pode, então, uma marchinha ser
tão contraditória, né?
Vai entender! Quanto mais ouço “O
Teu Cabelo Não Nega” mais dúvidas
tenho em qual lado do debate eu devo ficar.
Seria essa uma canção preconceituosa
ou uma música de louvor à miscigenação brasileira?
Sinceramente não sei.
Minha primeira interpretação pende
para a primeira hipótese.
Aí na segunda e na terceira audição,
fico com a sensação de que a segunda opção é a correta.
Três Morenas |
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O que posso garantir é
que não encontrei outros termos racistas, trechos machis-tas e/ou conteúdo
que enaltecesse a violência sexual no portfólio musical dos
Ir-mãos Valença
e na coleção artística de Lamartine Babo.
Ouvi várias criações deles nos
últimos dias e fiquei com uma impressão bastante positiva.
Eles parecem enaltecer a
morenice
e a
negritude
brasileira em canções român-ticas.
Vale lembrar que
João e Raul Valença
são autores de preciosidades como “Dama
de Ouro”, “A
Lua Veio Ver”, “Boneca
Sem Coração” e “Mandinga”.
No caso de
Lamartine Babo,
ele é autor de “Linda Morena”,
uma das marchinhas mais famosas de todos os tempos (“Linda
morena, morena/ Morena que me faz penar/ A lua cheia que tanto brilha/ Não
brilha quanto o teu olhar”).
Feita essa longa explanação, a
conclusão que chego é dúbia.
Acredito que quem veja/ouça racismo em “O
Teu Cabelo Não Nega” deva sim evitar a
execução da canção.
Afinal, uma sociedade minimamente
civilizada deve abolir qualquer tipo de pre-conceito em suas manifestações
artístico-culturais.
Ao mesmo tempo, não podemos execrar
quem goste e coloque para tocar a com-posição dos
Irmãos Valença
e de Lamartine Babo.
Na certa, tal grupo de ouvintes não
veja problema na letra e não encare esse conteúdo musical de forma
pejorativa.
Até porque, como acabamos de atestar
aqui, não é totalmente infundável a interpretação positiva da marchinha (ela
enaltece a mestiçagem).
Independentemente da opinião que cada
um tenha sobre essa questão, uma coisa parece ficar clara: essa faixa é uma
das mais polêmicas da música popular brasi-leira.
Você pode gostar ou não dela.
Você pode vê-la com bons ou maus
olhos.
Contudo, não dá para ficar indiferente
ao seu conteúdo tão polissêmico e tão contraditório.
Durmamos com um barulho desses, meus
amigos.
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