Gravada em 1979,
esta música de João Bosco (melodia) e Aldir Blanc (letra), retrata uma
época marcante da História do Brasil e tornou-se um hino à anistia no
período final da ditadu-ra militar iniciada com o golpe de
1964.
A letra é um discurso de denúncia e esperança: O “Bêbado”
é a classe artística, representada pelo seu símbolo-maior,
Carlitos, personagem de Charles Chaplin, com toda sua aura de liberdade e
utopia.
Chaplin foi um artista cujo trabalho visava as pessoas menos
favorecidas e no final dos seus filmes havia sempre uma estrada e uma
esperança, onde Carlitos andava em direção ao in-finito.
A “Equilibrista”
representa aquele fio de esperança que estava surgindo, a
democracia.
Aldir Blanc foi muito feliz em representar algo tão tênue e
incerto quanto nossa abertura polí-tica na figura de uma equilibrista.
Desta forma, ambas, a classe artística e a esperança de democracia, tinham
que se equilibrar em suas “cordas-bambas” para poder atingir seus
objetivos.
Aldir Blanc é considerado um poeta-repórter, pois seus textos
geralmente são fatos de uma época, e o discorrer desta música traz
imagens deste período de incertezas.
No verso “Caía a tarde feito um
viaduto”, ele quer dizer que a tarde caía abruptamente, tal qual parte do
Viaduto Paulo de Frontin, no Rio de Janeiro, que desabou em 1971.
“E um bêbado trajando luto me lembrou Carlitos”…
O “traje de luto” simboliza o estado no qual a classe artística
se encontrava, na época, pela falta de liberdade de criação.
Invariavelmente, todo fim de tarde sugere melancolia e tristeza, uma vez
que estamos saindo da claridade do dia para a escuridão da noite.
Aldir
Blanc utilizou esta imagem para representar a situação na qual vivia o
Brasil.
Além disso, sabe-se que as sessões de torturas eram realizadas nos
porões do DOI-CODI du-rante a noite.
Sem luz própria, “A lua” assume as
funções de “dona de bordel”, pegando emprestado um pouco de brilho das
estrelas, exatamente como faz a cafetina com suas contratadas, e também
para fixar a imagem de que naquele início de noite, tal qual prostitutas,
as estrelas eram de brilho falso e sem vontade de brilhar.
Ainda com os
olhos para o alto, há “as nuvens e o céu”.
Estas imagens nos remetem ao
universo da religiosidade.
No final da década de 1970, quando o país
discutia a anistia geral e irrestrita, a igreja católica demorou a se
posicionar e acabou defendendo a anistia, mas com restrições.
A imagem de
“mata-borrão do céu” demonstra o poder político e balsâmico da igreja.
Dentro do texto, o protesto contra as torturas que ocorriam na calada da
noite fica evidente.
Para saudar essa noite do Brasil, só se justificava
se fosse na alegria etílica de um bêbado.
Somente num estado de loucura se
poderia reverenciar aquela realidade.
O nacionalismo aparece nas
entrelinhas com o Hino Nacional.
“A nossa pátria, mãe gentil” abrigava as
esposas e mães que choraram por seus filhos e mari-dos.
A primeira entidade
organizada para lutar pela anistia foi o MFA – Movimento Feminino pela
Anistia, criado em 1975.
O texto também fala dos exilados, como foi o caso
do sociólogo Betinho, irmão de Henfil, e relembra as mortes do jornalista
Vladimir Herzog e do metalúrgico Manuel Fiel Filho ao citar os nomes de
suas esposas, Maria e Clarisse (grafia do registro civil),
respectivamente.
Este texto traz a voz de alguém que, num momento de
consciência, acorda para um mundo totalmente adverso, observa o que está à
sua volta, o céu da cidade, um bêbado, o cair da tarde.
Tudo é estranho e
triste.
Mesmo assim, há uma esperança que não abandona a sua missão.
Por
isso, pode-se vislumbrar a liberdade e sonhar com ela, mesmo quando os
olhos só veem a opressão.
Fica claro no texto que o desejo de liberdade
sempre vai estar no coração do homem.
Esta é a sua
arte.