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Testamento de uma Idosa com Alzheimer
Lilian Alicke
(Do livro “Doença de Alzheimer - Vivências e Cuidados)
Junto com meu testamento, no qual lego a meus filhos e amigos a minha vontade de viver e meu amor a Deus e a
toda a criação, faço um pedido: se, por ventura, no meu cérebro a senilidade penetrar sorrateiramente, a demência
se infiltrar inesperadamente e o esquecimento, a falta de lucidez e a confusão se instalarem, por favor, lembrem que:
Eventualmente, ainda tenho uma vaga ideia de minha identidade. Gosto de ser chamada pelo meu nome, aquele que meus pais me deram.
Posso ainda saber onde estou e com quem estou. Posso estar gostando ou não de onde estou e
com quem estou. Faço ainda questão de usar aquele tipo de sapato que toda a minha vida usei.
Gosto ainda de usar a roupa ao estilo que sempre preferi. A roupa dos outros, colocada em mim me entristece. A falta de
atenção em me ajudar na higiene pessoal me traz ansiedade. A comida de um estilo que não conheço não me apetece. As fraldas de vez em quando me incomodam e me
deixam envergonhada. Gostaria, às vezes, de caminhar para espairecer e ver a natureza.
Receber uma palavrinha me faz lembrar que sou gente. Receber visitas me faz lembrar que ainda sou importante.
Receber um abraço e um beijo me diz que alguém ainda tem afeto por mim. A falta de sono não é proposital, nem intencional. A falta de interesse está além do meu
controle.
Minha falta de jeito é inexplicável para mim mesma. O esquecimento me deixa traumatizada. Tenho dores que às vezes não posso contar. Nem sempre
o que me fazem fazer é o que eu gostaria de estar fazendo. Meu olhar vago não reflete o que sinto.
E se não dou um abraço é porque os meus braços não me obedecem mais. Se não dou um beijo é porque meus lábios
não sabem mais o que fazer. Se não te digo que valorizo sua dedicação e seu amor é porque a ponte se partiu e perdi o caminho que me levaria a compartilhar
meus sentimentos com você.
***
Ah! Que tristeza!!!!
Texto recebido
da FoquinhaIlustração: AlieneImagens:
Internet
Fundo Musical: Lonesome Heart - Ernesto Cortázar - (Corazón Solitario)
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