Colaboração recebida em 05/06/2011 da amiga Aliene Santos
Carta ao meu Neto
Flávio Cavalcanti
Meu
neto: Pelo que você já me disse com o seu sotaque de
anjo, percebo que você me considera uma criança grandona
e desajeitada, e me acha, mesmo assim, seu melhor
companheiro de brinquedos. Pena que tenhamos tão pouco
tempo para brincar, tão pouco porque só sei brincar de
passado, e você só sabe brincar de
futuro.
E ainda estarei brincando de
recordação quando você começar a brincar de esperança.
Mas antes que termine o nosso recreio juntos, antes que
eu me torne apenas um retrato na parede, uma referência
do meu genro, ou quem sabe até uma lágrima de minha
filha, quero lhe dizer meu neto, que vale a
pena.
Vale a pena crescer e
estudar. Vale a pena conhecer pessoas, ter namoradas,
sofrer ingratidões, chorar algumas decepções. E, a
despeito de tudo isso, ir renovando todos os dias a sua
fé e a bondade essencial da criatura humana, e o seu
deslumbramento diante da vida.
Vale a pena verificar que não
há trabalho que não traga sua recompensa; que não há
livro que não traga ensinamentos; que os amigos têm mais
para dar que os inimigos para tirar; que se formos bons
observadores, aprenderemos tanto com a obra do sábio
quanto com a vida do ignorante. Vale a pena casar e ter
filhos. Filhos, que nos escravizaram com o seu
amor.
Vale a pena viver nesses
assombrosos tempos modernos, em que milagres acontecem
ao virar de um botão; em que se pode telefonar da Terra
para a Lua; lançar sondas espaciais,
máquinas pensantes à fronteira de outros mundos, e
descobrir na humildade que toda essa maravilha
tecnológica não consegue, entretanto, atrasar ou
adiantar um segundo sequer a chegada da
primavera.
Vale a pena meu neto, mesmo
quando você descobrir que tudo isso que estou tentando
ensinar é de pouca valia, porque a teoria não substitui
a prática, e cada um tem que aprender por si mesmo que o
fogo queima, que o vinagre amarga, que o espinho fere, e
que o pessimismo não resolve rigorosamente
nada.
Vale a pena, até mesmo,
envelhecer como eu e ter um neto como você, que me
devolveu a infância. Vale a pena, ainda que eu parta
cedo e a sua lembrança de mim se torne vaga. Mas, quando
os outros disserem coisas boas de seus avós, quero que
você diga de mim simplesmente isso: -
“Meu avô foi aquele que me disse que valia a
pena. E não é que ele tinha
razão?”
***
Fundo Musical: I love you
Fonte:
https://www.homemsonhador.com/CartaAoMeuNeto.html
|
Texto recebido da Marluce PrietoIlustração: AlieneImagens: Internet |
|
|