Feliz Aniversário Maitê
Crônica


      Ah, minha menina! Que saudade dos meus seis anos... Dos meus sonhos, das minhas expectativas. Balões coloridos  enfeita-vam a minha vida, os ombros paternos suportavam  a minha inse-gurança assim  como o sorriso da minha mãe transmitia todo o amor que eu necessitava. Como tu, ainda  não conhecia os tortu-osos caminhos da vida. A cada aniversário contava apenas a quan-tidade de presentes recebidos e não imaginava que, a cada vela que assoprava, representava apenas uma época que não voltaria jamais...

      Simples fantasias infantis a correrem com a velocidade das do-ces ilusões. Mas, por que tão velozes?... Poderiam imitar os rios e se perderem em longas curvas. Ou as  nuvens, que se detêm na ausência dos ventos. Ou dos nossos pensamentos que se alongam nas vagarosas tardes cinzentas de outono.

      Hoje representamos dois momentos distintos nesta mágica in-certeza chamada vida. Somos como  uma música. Tu nos acordes iniciais, eu já nos acordes finais. Tornemos esta canção um lindo bailado. Entremos pelos encantamentos da noite, pelos ritmos in-constantes da vida, sem mágoas nem arrependimentos, apenas a beleza da harmonia da nossa existência. E que a tua música seja o complemento da minha felicidade.

      Sorria sempre, minha menina. Não deixe que uma simples tris-teza tenha o poder de alterar a tua alegria. Faça como este velho amigo, que um dia aprendeu com um poeta que muito admira, Fer-nando Pessoa, que o poeta é um fingidor. Finge tão completamen-te que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente. A vida é um jogo que, felizmente, sempre nos resta na mão uma carta que nos permite blefar...

      Certamente estás na fase da vida em que tudo conspira para a felicidade. A idade é uma dádiva a ser desfrutada com a volúpia de uma desejada guloseima. Em breve serás mocinha e, mais breve ainda, uma mulher. E repetirás o ciclo comum a todos nós. Galga-rás a vida, degrau por degrau, com o cuidado de te manteres sem-pre no lado iluminado da vida.

      Sabe Maitê, hoje o seu amigo está muito triste. O meu fiel ca-chorro Bono está muito mal e o seu fim está próximo. Com certeza isto está me matando um pouco também. Felizmente, quando ti-veres a maturidade para ler esta crônica, já estarás grande e en-tenderás com facilidade que o amor dos animais é uma prova in-conteste do sublime. Se compreenderes o olhar de um animal, compreenderás facilmente a vida e, principalmente, o amor... E este olhar que ele me lança agora, tão cheio de ausência, dilacera este velho coração.

      E a madrugada avança silenciosamente. Novo dia vai chegando de mansinho trazendo em seus braços alegrias e incertezas. Es-tas são as principais cores da vida. Certamente a esta hora dormes o teu sono mais profundo, sem imaginar que se desenha aqui um pequeno presente para ser aberto daqui a muitos anos. Não deixa de ser um presente original. Coisas  de velho poeta.

      Com certeza, neta que és de um grande poeta, envereda-rás pelas românticas linhas da poesia. E, com facilidade, compre-enderás a mensagem final desta crônica baseada em um verso do mesmo poeta citado acima no qual ele se lamenta:

      - Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!

      Feliz aniversário, minha querida Maitê, nessa data incerta em que terás a maturidade para ler esta pequena crônica feita com grande amor.

Domingos Alicata
Rio de Janeiro - RJ




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