Dez réis de gente

Por mor de dez réis de gente
Entro num reino sem trono.

As armas de que disponho
São fruto da minha mente
Porque sou senhor e dono
Da fantasia e do sonho
Onde, agora, estou presente.

Hoje, Gata Borralheira,
Sou Capuchinho, amanhã,
Uma raposa matreira,
Vassoura de feiticeira,
E até mesmo, o Peter Pan.

Enquanto a fala descreve
A história comovente
Da linda Branca de neve,
Vou desfiando as razões
Do porquê dos sete anões.

Para o Zorro, terei espada,
Para a donzela que a fada
Num sapo verde mudou...

(Chiu! Dorme! Ponto final)

- Conta mais uma, avô!

E eu recomeço o banal
Conto do João Ratão,
Levemente, levemente,
Para que os olhos se vão
Encerrando, pouco a pouco,
E cedendo ao abandono
Ante aquele tom dormente.

Finda a sessão, meio rouco,
Só vejo um rosto inocente
Que respira docemente,
No reino do faz de conta,
Escudado na ventura
Do poder da boa fada,
E na varinha que aponta.

Se razão me fosse dada,
Faria a solene jura
De nunca acabar o sono
E viver, eternamente,
Naquele reino sem trono

Por mor de dez réis de gente!

António José Barradas Barroso
Parede - Portugal - 12/12/2010