Tempos passados
Henrique Ramalho
é (foi) exactamente assim...:
as horas não passam, se olha o relógio quase de instante
a instante porque o tempo se arrasta de longo
segundo ao seguinte segundo longo...
Quando chegará a hora de passar ao do turno seguinte?
o medo faz suar na friagem da noite,
cada sombra parece um inimigo,
a cada sombra os olhos se estreitam, lacrimejantes,
esperando qualquer movimento...
os dedos se crispam na arma pronta a fogo..
a garganta seca, a lingua intumesce na boca...
se recua dentro da própria sombra...
recordações são puxadas à lembrança
para não sentir a lentidão do tempo,
se revive situações e as probablidades
se tivessem tido outras resoluções..
a duvida se instala: estará a arma pronta a fazer fogo?
A tentação de puxar a culatra atrás a ver
se salta o cartucho e se introduz um novo...mas e o barulho?
Desisto... a patilha é apalpada: estará em segurança,
tiro a tiro ou em rajada?
A mão instintivamente procura nos bolsos
o maço de tabaco na necessidade de um trago
tranquilizante alem da sensação de companhia...
mas denunciante o cheiro e a brasa,
impedem a concretização da intenção...
o tempo não passa, será que o relógio parou?
se sacode se encosta no ouvido...
Sobressalto: alem houve um barulho...
será animal, homem ou imaginação?
Será de todos acordar por precaução
e sofrer os insultos e piadas se nada existir?
o suor escorre na face, pinga ardente nos olhos,
se concentra na ponta do nariz,desliza na face,
encharca a nuca... se eu fosse os outros, como faria?
de onde viria? esperaria o amanhecer?
aproveitaria a escuridão? usaria a faca?
a mão livre da arma, levanta a gola envolvendo a garganta,
um arrepio estremece o corpo,
numa pré-sensação do frio da lâmina cortante
na pré-visão do esguichar sanguíneo intermitente....
E o tempo não passa na m(..) do relógio...F.d.p. do relojoeiro
que me convenceu com esta m(...)!
o cérebro se intoxica com palavras soezes,
buscando o culpado dos lentos segundos...
Se tira do pulso e dobrado na mão os olhos
acompanham o ritmo:210,211,212...213...
parece que afinal os segundos são segundos...
E o corpo se espalma ainda mais no solo
na procura na mãe-terra
salvadora da mais escondida minha silhueta...