Travessura que não fiz


Toninho...  era como chamávamos o nosso vizinho, amigo de meus irmãos e, portanto, da faixa de idade deles...   seis a sete anos mais velhos. Eu acompanhava as travessuras dos meninos nos quintais separados por um muro baixo. Quase sempre tentavam me colocar na condição apenas de observadora.  Qual que conseguiam. Guerra de goiaba empoleirada na árvore-mãe era minha especialidade. Bem que gostavam de me ver subir como um sagui no pé de um mamoeiro  pra colher  mamão maduro evitando a possibilidade de se esparramar no chão se fosse cutucado com vara. Ou então ficar segurando um saco de linhaça para eles irem jogando as cajamangas que colhiam.

Os cuidados com os pintinhos para virarem franguinhos e, mais tarde, o bate pé e a choradeira  diante da mãe  para impedir que virassem canja também era comigo. Essas tarefas eles me delegavam. Mas teve uma travessura que eu, muito linguaruda, fui anunciar antes de concretizar. Pra quê? Impuseram maior patrulha e nunca pude levá-la a cabo e a contento. É que no quintal do Toninho, de fácil acesso para mim pois era só pular aquele insignificante muro, existia um "viveiro repleto de passarinhos". Não era uma gaiola, tratava-se de um viveiro construído, mas ainda assim prisão, pois falta de liberdade não tem medida. E trepada no muro eu conversava em pensamento com eles, tinha um de papo amarelo que era especial... parecia até que entendia o meu plano de fuga...  um dia eu abro essa portinha e vocês voam depressa... asas pra que te quero...não olhem para trás e záz...toda atenção é pouca com os estilingues deles... bem que tentei um dia... mas me impediram, me pegaram com a mão na portinhola... e, assim, além do Toninho passar a me olhar como uma grande inimiga, deu-se  frustrada  a melhor travessura infantil que não realizei.


O PÁSSARO CATIVO

 Olavo Bilac

 

Armas, num galho de árvore, o alçapão.

E, em breve, uma avezinha descuidada, batendo as asas cai na escravidão.

 

Dás-lhe então, por esplêndida morada, a gaiola dourada.

Dás-lhe alpiste, e água fresca, e ovos, e tudo.

 

Por que é que, tendo tudo, há de ficar o passarinho

mudo, arrepiado e triste, sem cantar?

 

É que, criança, os pássaros não falam.

Só gorgeando a sua dor exalam, sem que os homens os possam entender.

Se os pássaros falassem,

talvez os teus ouvidos escutassem este cativo pássaro dizer:

 

"Não quero o teu alpiste!

Gosto mais do alimento que procuro na mata livre em que a voar me viste.

Tenho água fresca num recanto escuro.

 

Da selva em que nasci; da mata entre os verdores,

tenho frutos e flores, sem precisar de ti!

 

Não quero a tua esplêndida gaiola!

Pois nenhuma riqueza me consola de haver perdido aquilo que perdi...

Prefiro o ninho humilde, construído de folhas secas, plácido, e escondido.

 

Entre os galhos das árvores amigas...

Solta-me ao vento e ao sol!

Com que direito à escravidão me obrigas?

 

Quero saudar as pompas do arrebol!

Quero, ao cair da tarde, entoar minhas tristíssimas cantigas!

 

Por que me prendes? Solta-me, covarde!

Deus me deu por gaiola a imensidade!

Não me roubes a minha liberdade...

QUERO VOAR! VOAR!..."

 

Estas coisas o pássaro diria, se pudesse falar.

E a tua alma, criança, tremeria, vendo tanta aflição.

E a tua mão, tremendo, lhe abriria a porta da prisão...

 

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