Mensagem


         Tarde de outono. Saio para esticar as pernas, como se diz sempre em tom de brincadeira. Vocês por certo já passaram por esta tarde em que se junta a preguiça com a vontade de nada fazer... Passo pela loja do Luciano, amigo Botafoguense, e comentamos a última partida. Lá fico sabendo que na rua ao lado, um turista alemão foi esfaqueado por dois travestis. Penso em Rubem Braga – “Ai de ti Copacabana! Por que rezais em vossos templos, fariseus de Copacabana, e levais flores para Iemanjá no meio da noite? Acaso eu não conheço a multidão de vossos pecados?”

Desço pela Prado Junior em direção à praia me questionando o que leva uma pessoa a vir passear em um país estrangeiro e procurar este tipo de envolvimento. Comentava-se que ele os teria confundido com mulher e, quando se deu conta do equívoco, houve a estúpida reação dos travestis. E ali restou ele, em sangue, personagem desconhecido do cruel drama da vida.

O vento mais forte e ligeiramente frio, desvia-me do assunto e indica que cheguei à calçada da praia. Levado pelo desejo de pegar um Sol, malemolente vou caminhando em direção à Praça do Lido que, para minha tristeza, já estava tomada pela sombra. Paciência! Não me dando por vencido, aproveito uma brecha de Sol que se esgueirava por entre os edifícios e, mesmo em pé, conforto-me com um restinho do seu calor.

Vida que segue, aproxima-se um casal. O homem, com auxílio de duas muletas, locomove-se lentamente, com dificuldade. Naturalmente passo a observá-los com simpatia. Ele apóia-se ao postinho que indica a rua e ela se afasta para tirar algumas fotografias por ângulos diversos. Aquele postinho a indicar Av. Atlântica com Rua Belfort Roxo, não sei de que forma nem porque, mas ganhará um significado maior em suas vidas. Para minha preocupação ela atravessa acelerada a Avenida por entre os carros provavelmente para fotografar a praia. Solidário permaneço na minha posição para um eventual auxílio que ele possa precisar. Nesse momento, sorrindo comigo mesmo, exclamei: Parece maluca!

Com a mesma rapidez que foi, voltou... A réstia de Sol por fim me abandonou. Sem muita convicção, retomei o caminho de casa. Ao passar pela esquina em que fica o Bob’s, uma força estranha me compelia a entrar. Claro que não era a primeira vez que entrava ali e logo compreenderão o motivo. Mantenho uma relação nostálgica e fiel com ele. Quando menino, nas tardes de domingo, o cinema era o programa obrigatório da garotada e sempre a tarde terminava com uma passadinha por ele. Não neste mesmo local de agora, que é relativamente novo, e nem se compara em prazer com o da juventude. Misto quente, sundae, milk shake, tudo que hoje sou proibido de comer. E, o mais importante, como eram doces as namoradinhas...

Resumindo, entrei. Junto comigo entrou o meu eu-menino ávido por uma transgressão. Ei-la que se apresenta: Sundae de banana! Enquanto observava o rapaz a prepará-lo, velhos sabores percorriam minha boca. Nenhum, no entanto, tinha o sabor do beijo das antigas namoradas...

Segurando firme o meu pequeno tesouro, sento-me à mesinha junto ao vidro que limita o exterior. Ali é o meu lugar preferido. Posso observar com calma meus anônimos personagens passando e o vidro filtra o barulho dos carros, dos ônibus e mesmo do falar. Tenho por hábito analisar as pessoas. Sem qualquer espírito crítico. Respeito a feiúra, admiro a beleza, tento ler as fisionomias, entender as angústias, decifrar os olhares e, o mais marcante, a imagem das suas resignações. Ali recupero a minha mais profunda marca humana, a solidariedade...

 Neste ponto, o casal reaparece e fica, por algum tempo, encostado ao corre-mão da pequena rampa que conduz ao interior da loja e logo se afasta, saindo novamente da minha visão. Após minhas muitas reflexões, tristemente constato que o meu sundae chegou ao fim... O melhor que faço agora é ir para casa, de onde estou ausente há duas horas e duas inquisitivas ligações de celular a minha procura.

Não é que ao sair do Bob’s revejo ainda o casal ao lado da banca de jornal? Ele descansa sentado em uma armação de cimento que chamam de frade e serve para evitar que os carros invadam as calçadas. Ela em pé ao seu lado, finalmente mais calma e com olhar carinhoso. Ainda malemolente, passo ao seu lado. Agora, porém, o nosso olhar se encontra com mais vagar. A vida pára por um instante... Sinto em seu olhar a força de uma mensagem e sigo pensando em minhas lamúrias infundadas, meus inconformismos e, com novo ânimo, sigo o meu caminho...

Domingos Alicata
Rio de Janeiro - RJ - 03/05/2007




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