Seu Francisco Severino nasceu no interior do Brasil, casou novo e
tiveram dez filhos.
Porém, quem estudava mais era até a quarta série do ensino
fun-damental.
Mas o sexto filho sempre se mostrou mais esperto, mais
ativo.
Seu Francisco morou em uma fazenda e levava uma vida de gente
simples, deitava cedo e acordava cedo, mas Sebastião Severino
o sexto filho, sempre gostou de ler e à noite ia para a casa do
patrão seu Quincas, cujos filhos estudavam em Faculdades e deixavam
muitos materiais de leitura na sede da Fazenda.
Terminado a
quarta série, Sebastião disse para seu Francisco que iria estudar
na cidade, pois um dia sonhou que seria um advogado de fama.
Seu pai falou: - Como poderá ser isto com tanta pobreza?
Seu Quincas, o patrão que ouvira a conversa, disse: - ele vai morar
com meus filhos, lá tem o que comer, e vou dar meio salário míni-mo
mensalmente, porque esse menino terá um futuro bonito.
O menino
sempre sobressaia em todas as disciplinas, foi aprovado em
primeiro lugar no vestibular de Direito numa Escola pública.
No
primeiro ano foi trabalhar no escritório de seu professor, uma
sociedade civil de advogados.
E seu professor,
que era o diretor do Escritório e de notável saber jurídico, o teve
como seu secretário.
Então, já no primeiro ano do curso, ganhou os livros do professor, protocolizava petições no fórum, acompanhava processos
nos fó-runs e tribunais e redigia petições.
E até audiência ele
assistia, pois seu professor sempre dava aquele jeitinho para ele
assistir, embora estivesse longe de ser estagiário.
Na colação de
grau ele foi orador da turma, ganhou um estágio na Europa, e,
ao chegar inscreveu-se para o Concurso de Juiz de um Estado e de
Promotor de outro e, em ambos os concursos foi aprovado em
primeiro lugar.
Preferiu advogar e
não assumiru nenhuma função pública, e aos pouco
foi desligando do escritório do velho mestre e até conseguiu uma
cadeira de professor adjunto de uma Faculdade.
Certo dia voltou
à roça levando umas economias pra família e com intuito de pagar
as despesas feitas pelo antigo patrão seu Quincas, que o havia
encaminhado para a cidade onde ele teve seu cres-cimento cultural e
financeiro.
Chegou, visitou
seus pais e irmãos, deu-lhes uns presentes e foi pra casa de seu
Quincas, que era uma verdadeira mansão entre os arvoredos.
- Boa noite seu
Quincas.
- Boa noite
Sebastião, posso
ser-lhe útil em alguma coisa doutor? Perguntou seu Quincas.
- Não eu é que
venho cabisbaixo agradecer-lhe tudo que o Senhor fez por mim e
propor como pagá-lo parceladamente.
Seu Quincas
respondeu: - você não me deve nada doutor.
- Mas tenho um
segredo para te contar...
Certo dia sonhei vendo
você de terno e gravata perante umas au-toridades sorrindo de
alegria, quem sabe você que quase foi juiz poderá me ajudar num fato
que vou expor:
Seu Quincas
apenas disse para Sebastião Severino:
- Filho, nem
você nem sua família sabe de uma coisa, aquela área de terra
que seus pais residem há mais de trinta anos, foi ali que eu nasci,
hoje tenho sessenta anos, e, quando eu nasci meu pai já morava ali
há mais de vinte anos.
Aquela terra está em nossas mãos há quase oitenta anos e eu não
tenho documento, nem escritura, nem mesmo um recibo, sempre fui
orientado a procurar um bom advogado, mas muitos me diziam que eu
gastaria bastante e era possível que o advogado ficaria com parte
das terras em troca de seus honorários.
Meus filhos são formados,
mas em outros cursos, aqui ninguém entende de lei e agora o
doutor que quase foi juiz ou promo-tor me ajudará a legalizar esta
área que é dez vezes maior do que esta em que eu moro que é
legalizada, pois foi herança de meu sogro.
O Dr. Sebastião
não pensou duas vezes, era a ação mais fácil que ele tinha
encontrado, pois tinham todos os pré-requisitos para requerer
usucapião, pois, a doutrina moderna estruturou o
usuca-pião nas seguintes bases: reshabilis, insta causa (justa causa, bonas
fides (boa fé), possessio (posse) e
tempus (tempo).
Então tinha tudo.
Seu Quincas, que era sucessor de seu pai na posse
permissível por lei (posse continuada, e agora como possuidor havia
estabelecido no imóvel residência habitual e nele realizado obras e
serviços de caráter produtivo, exercida com
animus domini, de forma contínua,
mansa e pacífica.
Imediatamente Dr.
Sebastião providenciou certidões de cartórios, comunicou aos
confinantes que seriam citados e sentiu
muita fir-meza que na oitiva dos mesmos, onde todos afirmariam e deferiam
a posse do seu Quincas.
Não
houve contestação e já na peça exordial muito bem
fundamen-tada o Dr. Magistrado já estava certo de que era um pedido
justo.
Propalada a
sentença que julgou procedente a ação a mesma foi transcrita
mediante mandado no registro de imóveis, satisfeitas as obrigações.
Dr.
Sebastião chegou ao ex-patrão e
entregou o documento oficial.
No dia
seguinte Sr. Quincas convidou Sr. Francisco Severino e sua esposa,
o empregado pai do Dr. Sebastião
e todos
os dez filhos do casal para um passeio na cidade e para surpresa
daquela família pobre chegaram a um Cartório, mas seu Francisco que
nada conhecia na cidade não entendia o que se passava, se bem que
Dr. Sebastião já estava entendendo tudo.
Quando seu Quincas disse: - nunca consegui fazer por vocês o que
merecem a não ser os estudos do Sr. Dr. Sebastião, mas agora estarei
escriturando a sede da Fazenda com toda área onde está minha
residência com toda mobília, telefone, automóvel e vou fazer uma
sede nova na parte conseguida pela Usucapião, para eu e minha velha
acabarmos os dias lá, e, ao Dr. Sebastião vou entregar este
cheque para que deixe seu escritório bem bonito.
Tanto seu Quincas
como Seu Francisco eram portadores de cardi-opatia grave.
Assinada a
escritura e o cheque, o seu Quincas deu uma dor e partiu deste
mundo, seu Francisco de emoção foi às pressas para o hospital
mas restabeleceu do susto logo e a esposa do Seu
Quincas, juntou com a ex-família pobre e foram viver o resto da
vida juntos sem precisar construir nova sede e o Dr. Sebastião
casou-se com a Dentista Dra. Helena que era filha do finado Quincas.