Sob a mesma lua

Recebi em 17/09/2018


Se você sentir saudade de mim, olhe para a Lua.
Eu a estarei vendo também. Ela é a mesma no mundo inteiro.

(Do filmeSob a mesma Lua”)

Lembro-me perfeitamente da casa de minha avó. Talvez por isso eu goste tanto de amarelo, de pequenos jardins em frente às casas, dos campos verdes, das árvores imensas que eu costumava subir e ficar lá de cima olhando para o mundo, que era só meu. No final das tardes frias eu adorava olhar a lua despontando bem longe e não havia lugar melhor que os galhos das árvores.

Não me lembro de comida na panela da casa de minha avó, mas com certeza ainda sinto o sabor do ovo, açúcar e farinha que ela me preparava mim todas as vezes que eu ia visitá-la, sempre sen-tadinha em frente da pesada máquina de costura. Quando eu chegava, ela parava de costurar e ia pra cozinha fazer a “gemada” para nós, que era dividida entre todos - a família era enorme e meu avô Luiz eu não cheguei a conhecer. Todos os filhos faziam pequenos serviços para ajudar na alimentação e tocar a vida. A gemada era uma mistura deliciosa; eu comia com prazer aquela pequena porção de amor que minha avó me dava.

Na parte de trás da pequena casa havia um pequeno lago, que eu adorava visitar, onde pequenos “sapinhos” nasciam e nadavam ao lado de minúsculos peixes. Os pés de lima, goiaba e araçá eram os meus preferidos, dentre as bananas de todas as qualidades, que adoro. Defronte à casa, havia um abacateiro enorme e o máximo que eu conseguia era chegar no segundo galho, mas não deixava de ser uma visão magnífica “lá de cima”.

Para chegar na casa de minha avó eu tinha que ultrapassar alguns empecilhos – hoje eu tenho que sorrir ao lembrar disso... Primeiro, subir a ladeira de nossa rua e seguir para dentro do caminho de enormes eucaliptos. Nós morávamos na “rua” e nossa avó morava no “mato”. Segundo, obrigatoriamente eu tinha que entrar na pro-priedade particular de um casal de italianos, onde existiam milha-res de arbustos dos dois lados do caminho e um cachorro encapeta-do que adorava rosnar para mim! Imagine só o medo que eu ti-nha... mas mesmo assim eu parava e pedia uma fruta - (ou ramo de dálias de todas as cores, que me fascinavam) - ao casal, sempre! Eles tinham muitas árvores frutíferas e eu adorava os araçás. E ia embora toda feliz, morrendo de medo do cachorro e entrando no terceiro empecilho para chegar na vovó – o caminho estreito cheio de eucaliptos por todos os lados, cuidadosamente plantados em fileira, e – o que é pior – bois pastando! Ô menina medrosa esta So-ninha... depois de todo este sofrimento, eu chegava na casa da minha avó bufando, mas quando eu avistava a casa eu sentia uma grande alegria... e na volta para casa, eu pedia à minha avó para me levar até passar pelo danado do cachorro... era hilário! Ela pe-gava na minha mão e me levava pelo caminho que antes eu havia passado sozinha.

Ah, e tinha outra coisa – sabe aquela cantiga do Chapeuzinho Ver-melho... “pela estrada a fora, eu vou bem sozinha... levar estes doces para a vovozinha...” era eu própria! A Chapeuzinho Verme-lho mais medrosa que já vi...

Muitas foram as vezes que eu percorri este caminho... e a primeira vez que eu tive que fazê-lo por obrigação foi quando o nosso tio Vavá faleceu. Eles moravam a uns trezentos metros da casa de minha avó e era casado com a minha tia Maria, a pessoa mais forte e admirável que eu já conheci nesta vida. Uma pneumonia levou o meu tio embora, com apenas 33 anos. E deixou quatro filhos pe-quenos e um a caminho.

Ainda bem pequena e muito menina, já naquela época, a bondade do meu coração transbordava – eu me ofereci para ir até a “venda” arrumar macarrão para fazer para todos, que eu imaginava esta-rem com fome. E passei pelos empecilhos de sempre, não cantei nadinha e uma grande emoção tomou conta de mim naquele dia. Fui e voltei pelo caminho que eu tinha medo e o venci, a cada passo dado, com orgulho de mim mesma.

Nem liguei para os rosnados do cão, nem para o balanço dos eucali-ptos enormes, a soltar um som de vento zangado. Sei que a lua que brilha hoje é a mesma que eu vi quando eu voltava com o pacote de macarrão.

(um conto verdadeiro de um tempo nem tão longe assim...)
BOM SÁBADO!

Obs. Minha irmã hoje se atrasou e estou colocando este conto no lugar da nossa parceria - mas sábado que vem, aqui estaremos, com certeza. Porque sábado é dia de PROSA!

Sunny Landrith

Enviado por Sunny Landrith em 04/04/2009
Alterado em
20/10/2011


 

 
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