Meu avô (pequeno
eu era, mas lembro-me ainda)
possuía vasta cul-tura, pois um ano faltava para ordenar-se Padre e
abandonou tudo para emprenhar-se pelo sertão, a fim de cuidar da
grande Gleba de terra que herdara, com a morte dos pais.
Com ele
passei um bom tempo da infância, época em que aprendi bastante sobre
o sertão bruto, o que me fez um homem, até certo ponto, rústico.
Devo a ele
o amor pela Natureza que até hoje cultivo lidando no meu pedacinho
de terra e, além disso, muitas lições importantes deu-me ele, as
quais sempre me ajudaram nas lutas, ao longo da vida.
Certo dia
caminhávamos por um trilha feita pelos próprios animais selvagens,
principalmente pelos caititus e queixadas que vagavam em bandos por
aqueles lados.
Para quem
não sabe, caititus, ou catetos, e queixadas são espécies de porcos
selvagens, sendo que as queixadas nos impõem mais te-mor por serem
extremamente agressivas e levam esse nome por-que, quando zangadas,
batem fortemente suas mandíbulas, provo-cando ruídos que podem ser
ouvidos a certa distância.
Subitamente meu avô parou, colocou-me no galho baixo de uma
grande árvore ordenando-me que subisse e em seguida fez o mes-mo,
colocando-me em seu colo num gesto protetor.
Curioso
como sempre, perguntei-lhe:
---- Que é
isso, vô?
---- São
queixadas. Animais perigosos. Fique em silêncio. --- Pediu-me a
sussurrar.
Em pouco
tempo passava aquele bando fazendo ruídos assustado-res a destruir
grande parte da vegetação, às margens da trilha.
Meu
coração provavelmente acelerou bastante, pois me recordo de ter me
agarrado ao galho em minha frente com todas as forças.
Esses
animais, como os porcos, não levantam a cabeça e por isso não nos
viram embora devam ter sentido o nosso cheiro.
Por quanto
tempo ali ficamos não sei, mas passado o perigo, desce-mos.
Olhei para
a trilha pela qual iríamos continuar e exclamei:
---- Nossa
vô! Limparam o caminho para nós e deixaram ele mais largo.
Olhando-me
fixamente com os seus olhos verdes, começou a filoso-far, como
sempre fazia, em linguagem acessível ao meu entendi-mento.
Claro que
não me lembro exatamente quais foram as suas palavras, mas o que ele
quis dizer, sim.
----
Escute bem, meu neto.
Vamos
fazer de conta que a nossa vida seja essa selva: Às vezes es-tamos
caminhando por ela despreocupadamente e, de repente, surge algo que
não esperávamos, como, por exemplo, um aconteci-mento desagradável,
uma doença em nós ou na família, uma desa-vença qualquer, uma
tristeza por alguém que morreu ou por um amigo que nos
abandonou, quando não é um perigo parecido com esse pelo qual
passamos.
Por isso,
precisamos estar sempre atentos.
--- O que
quer dizer “atentos?”
– interrompi-o.
--- Quer
dizer que precisamos ser cuidadosos ou muito atenciosos.
Mas agora,
deixe-me continuar. — Pediu-me um tanto sisudo.
--- Quando
aparecer qualquer coisa dessas em sua vida, não perca a calma.
Procure a
árvore da fé e suba o mais alto que puder nela, para chegar mais
perto de Deus.
Deixe as
queixadas, que são os maus momentos e as pessoas mal-dosas, passarem
sem chamar a atenção delas com lamentos, gritos de revolta ou
xingos.
Tudo o que
é mal pode ser repelido ou atraído.
Depende da
nossa crença em Deus e em nós mesmos, da nossa pa-ciência, da nossa
sabedoria para fugirmos da descrença.
Ás vezes o
mal pode nos atingir sim, mas não nos devorará.
Caso
tivéssemos caído da árvore, seríamos vencidos e estraçalha-dos pelas
queixadas. Entendeu?
----
Entendi. — Confirmei já caminhando ao seu lado.
É evidente
que não entendi, como passei a entender depois, a es-sência de suas
palavras.
---- Pois
é. – Continuou ele.
– Você viu
que depois que os animais passaram a nossa trilha ficou mais limpa e
mais larga para caminharmos. Não é verdade?
--- Sim
senhor.
--- Mas...
Para aonde estamos indo? – Inquiriu-me de repente.
--- Vamos
para a casa do Tio Antonio.
--- Então.
Saímos de casa para irmos para lá e lá é o nosso objeti-vo, quero
dizer, o que queremos fazer. Não é?
--- Sim
senhor.
--- Do
mesmo jeito você terá em sua vida muitos objetivos para atingir e,
para isso, você precisa fazer o mesmo que foi feito aqui, porque
muitas queixadas irão barrar o seu caminho.
Quando
isso acontecer, suba na árvore da fé, como já lhe disse, agarre-se
mentalmente em Deus, como você fez naquele galho, deixa tudo passar
e encontrará o caminho melhor, para seguir adi-ante.
--- Essa
árvore da fé é grandona, vô?
Olhou-me
sério, mas não conseguiu conter a gargalhada.
--- Vou
explicar para você o que é a árvore da fé -- Coçou o bigode e
prosseguiu:
Você
confia em mim?
---
Confio.
--- Essa
confiança chama-se fé, mas nós estamos falando da fé em Deus e
quanto mais forte for a nossa fé, mais alto conseguiremos subir na
árvore dessa confiança em direção ao Poder Maior e agar-rarmos em
seus galhos com firmeza para não cairmos.
Sei que
você agora não está entendendo muito do que estou lhe fa-lando.
Mas um dia
entenderá.
Deixe as
Queixadas da vida passarem, volte à estrada e prossiga, sempre
confiante.
Tagarelando prosseguimos até à casa do meu tio.
Fui
brincar com o meu primo, deixando pai e filho com os seus as-suntos
de adulto.
Desde
então, tenho posto em prática esses conselhos e as queixa-das
que cruzam o meu caminho não conseguem me derrubar da ár-vore da
fé e pouco menos me devorarem o ânimo.