Em busca de mim mesma


Ser a analista  e a paciente ao mesmo tempo foi uma experiência enriquecedora.

Colocar no papel tudo o que  me vinha a mente  sobre mim, fez com que eu me sentisse melhor e tivesse a impressão de estar nu-ma aventura, escalando os picos do terreno estranho e espinhoso que era minha vida.

Porém, não foi fácil, muitas foram às vezes em que eu olhava para a folha em branco e não sabia o que escrever; outras vezes rabisca-va várias linhas para logo depois, rasgar.

Ficava na dúvida se era realmente dessa forma que era minha vida, ou, a que eu imaginava que fosse.

Não foi questão de dias, nem de meses, mas anos.

Minha vida é difícil, no sentido que, no dia-a-dia os obstáculos são comuns,  contudo, não me vejo mais como um enigma, embora acredite que existam alguns pontos que ainda não entendo, mas o essencial de mim, compreendo.

Posso até fazer uma comparação: estava perdida num labirinto... e somente agora encontrei a saída.

Consegui descrever a pessoa que sou e fiquei admirada ao compre-ender o meu modo de ser, pois sempre achei que eu fosse sem im-portância e que não havia razão para estar existindo, no entanto, eis-me aqui: uma pessoa que respira,  que sente o coração bater pela vida, e que está precisando de muito amor, mas ainda não perdeu a esperança de algum dia obtê-lo.

Nasceu em mim a sensação de que nessa vida é imprescindível ser alguma coisa, e temos que descobri-lo por nós mesmos.

É uma batalha que travamos conosco.

Às vezes, já sabemos o que devemos ser  porém falta algo para nos dar motivação para seguir em frente, para alcançar as metas em busca de novos objetivos que nos façam sentir vencedores.

Se eu me analiso insistentemente, me persigo,  me encosto na pa-rede, é porque desejo ser amanhã, melhor do que sou hoje.

Talvez eu tenha apenas me arrastado por todos esses anos, mas isto não importa, pois consegui uma vitória.

Quando falo em "me arrastar", quero dizer que andei perdida em mim mesma e eram tantos os caminhos, que joguei na sorte e segui o percurso mais longo e difícil... me cansei e quase desistin-do, cheguei ao fim da estrada, onde  caminhava para me encontrar e me compreender... e se eu não consegui conjugar estes dois verbos na integra, ao menos tenho consciência do que sou.

Uma das coisas que sei que tenho que fazer, é parar de ficar pen-sando em mim, de me preocupar demais comigo e passar a doar-me para os outros; abrir as comportas do meu coração e permitir que todos sintam a pessoa que eu sou, o amor e o carinho que há em mim.

Esquecer-me e prestar mais atenção nos demais.

Na teoria é simples, na prática, terei que convencer-me.

Passei toda minha vida cuidando de mim mesma, decidindo-me, su-portando-me, protegendo-me, perdendo-mei, salvando-me... eu em meu próprio mundo... que largar-me agora é difícil

O que aconteceu comigo é que me transformei numa tartaruga, que toda vez que depara com algo suspeito ou que cause medo, se esconde dentro do casco, assim, ninguém poderá fazer-me mal algum.

Acho que nunca poderei relacionar-me normalmente com alguém, enquanto não deixar de ser esta "tartaruga" e abandonar este "cas-co".

Fico oculta e todos veem apenas o  meu corpo, mas eu mesma, ninguém encontra.

Certa vez, um escritor famoso comparou o ser humano com um pa-cote de presente: "O corpo é a embalagem que pode ser feia ou maravilhosa, mas o valioso mesmo, é o conteúdo, ou seja, o interi-or das pessoas".

Minha embalagem é atraente, mas ninguém consegue desembrulhá-la e ver o presente.

As pessoas se convenceram que sou apenas o embrulho, e isto não é nada bom.

Sinto-me triste por não viver no estado normal da vida, que é dar e compartilhar.

Somente recebo e nada retribuo.

Pertenço somente e unicamente a mim mesma.

Por esta razão mereço ser chamada de egoísta.

É este hábito de eu mesma pegar-me pelas mãos e dizer-me: "Vá por ali, é este caminho que deve seguir."

E esta escolha é longa e distante de todos.

Seria bom se eu, frente a frente com as pessoas, dissesse: "Quero conhecê-lo, mas tenho medo de você, por favor, ajude-me a apro-ximar-me!"

Porém, quando irei admitir meus temores? Nunca.

Então, a situação fica difícil, e continuo sendo embalagem.

No momento em que não consigo me aproximar de uma pessoa, me afasto gradativamente, e logo se dão conta que me perderam, ou melhor, eu os perdi.

Li um livro (Yargo, de Jaqueline Susan), que narrava a história de um planeta,  no qual, ninguém podia amar, chorar, sorrir, enfim, ter qualquer tipo manifestação de sensibilidade__ era proibido.

Porém, eram pessoas frias e infelizes, e acabaram percebendo que não pode haver felicidade verdadeira onde as emoções são reprimi-das.

Tenho que me lembrar disto, e parar de conter meus sentimentos.

Não há como exigir dos outros o que eu mesma não posso dar, nem demonstrar.

Quando vou conseguir deixar alguém me desembrulhar?

Não sei.

Às vezes fico pensando, que me preocupo demais comigo.

Por  outro lado, se eu não me importar, quem o fará?

Certamente ninguém.

Falo muito em insegurança e que isto atrapalha minha vida.

Porém, uma vez, me disseram que, se eu sei "o que gosto", e "o que não gosto", é porque sou uma pessoa segura.

Faz pouco tempo que consegui separar estes dois itens, no entan-to, há muitas coisas que ainda não tenho certeza se quero ou não.

Mas, esta questão de me sentir insegura é com relação às pessoas, por não me ambientar e me comunicar melhor com elas, resumin-do, por não ser sociável e consequentemente, faz-me sentir solitá-ria.

Atualmente me encontro numa situação melhor do que nos anos anteriores,  porque afinal, posso compreender a maioria dos meus sentimentos, e me encontro em condições de olhar para trás sem deixar que nenhum fragmento do ontem me atinja e isto é uma vi-tória, pois  é sinal que não estou presa ao passado, uma vez que posso compreendê-lo, e agora, pertenço ao hoje e ao futuro.

Então, a partir disto, agora que já desvendei a maioria dos enigmas da minha vida, porque não transformar a minha vida num paraíso?

O que eu estou esperando?

Acomodei-me, e estou  de braços levantados para cima esperando que as coisas me caíam do céu?

Talvez seja esta a impressão que estou demonstrando, mas não é bem assim.

O que é bom para uma pessoa, pode não ser bom para mim.

Saber o que me atormentava em meu íntimo, apagar fantas-mas, descobrir o que sou, o que gosto e o que não gosto, ser capaz de me olhar olhos nos olhos sem desviar o olhar, aprender a gostar de mim, saber onde errei e o que eu deveria ter feito, conhecer meus defeitos e qualidades... tudo isto pode parecer a chave pa-ra uma nova vida, mas não é.

Porque, embora eu tenha entrado num estágio que poucas pessoas conseguem chegar, isto não foi o fim, mas, o começo.

O princípio de novas indagações sobre a minha pessoa, e também devo lembrar que ficaram assuntos pendentes.

E o que é realmente essencial em minha vida eu ainda não desco-bri, que é "a verdadeira razão para eu estar vivendo".

Quem sou eu?

Sou uma pessoa que tenta encontrar seu caminho, tenta encontrar a verdade em meio de tantas palavras.

Sou aquela que afasta as pessoas de mim, quando na verdade, gos-taria de tê-las mais próximas.

Sou aquela que precisa ser amada.

Por que estou aqui?

Esta é realmente uma pergunta interessante.

Porque Deus quis que eu estivesse aqui...

Mas, por qual motivo estou aqui?

Não sei ao certo porque estou aqui, só sei que eu aqui estou.

O que devo fazer?

Compreendi que Deus não determina o rumo de nossa vida; não nascemos com uma história escrita, somos nós quem a escrevemos.

Deus não decidiu que eu sentiria o que sinto, nem que me compor-taria da forma como me comporto.

Se a minha vida está boa ou ruim,  a escolha foi minha.

É a pura verdade!

Se eu não decido caminhar até a árvore que está no meu quintal e retirar o fruto que lá está, o fruto nunca virá a mim, e eu ficarei sem o fruto, e ele nunca fará parte da minha vida.

É muito importante estabelecer objetivos, é importante decidir on-de quero  estar nos próximos anos e o que quero ser.

A análise que fiz realmente me fez bem, porque descobri que não sou uma pessoa fraca, mas uma pessoa forte.

Sentir tristeza, ficar depressiva, desejar novas coisas e um novo sentido para a vida, ao contrário do que eu achava, não é ser fraca.

Estes sentimentos são naturais no ser humano, e todos chegam em determinado momento que precisam ir em busca de si mesmo.

Ao contrário do que eu pensava, não tenho nenhum problema psi-cológico.

Todo este meu jeito de pensar e agir é normal __ este é o meu nor-mal.

Cada um tem o seu jeito de ser, e este é o meu jeito de ser.

Acho que estou precisando me assumir.

Também já pensei na hipótese de que talvez eu ainda não aceitei, de todo, a pessoa que sou.

Por que eu fico me analisando demais?

Por que eu nunca estou satisfeita comigo mesma?

Será que estou buscando a perfeição?

Descobri que minha passividade tem limites.

O que acontece é que, às vezes, gosto de ser a plateia da cena da minha vida, e outras vezes gosto de ser a cena.

Quero dizer, vou aguentando as coisas que me desagradam até que chega a um ponto que dou "um basta", e faço alguma coisa.

Então é assim: sou a espectadora e assisto o filme onde o assassino degola vítimas após vítimas, até que eu não suporto mais ver isto e entro no cenário,  e o tiro de cena.

Às vezes olho a minha vida, e digo que ela não vale um centavo, e de repente, a faço valer ouro.

Minhas vistas estavam embaçadas e somente agora posso divisar os horizontes da minha vida.

No fundo, eu estava tentando me igualar ao que a sociedade diz ser o cidadão exemplar, e eu, notando que tendia a me comportar diferente, me empurrava e me obrigava senão a igualar, pelo me-nos a ter uma semelhança com esse modelo que a sociedade im-pôs.

E isto foi um choque, porque o meu "eu" aspirava por viver e eu tentava matá-lo, substituindo pela imagem daquilo que eu gostaria de ser, e não permitindo que eu fosse o que eu, na verdade sou.

O que tenho que me perguntar, é: "O que é mais importante PARA MIM?"

É ser a pessoa que eu sou.

E serei.

Sou introvertida, tímida, gosto de lugares tranquilos, gosto de ficar com a família, gosto de ler, gosto da minha casa, gosto de sair de vez em quando e etc.

E pode ter a certeza que não mudarei porque esta é a minha ma-neira de ser,  e não há como mudar este fato.

E há outra coisa que tenho certeza; não sou frágil, não sou de vi-dro, não me quebro.

Agora estou pronta para dizer: "Eu me assumo totalmente e estou satisfeita com a obra-prima que sou, aliás, obra de arte única, pois, não há nenhuma pessoa idêntica a mim; pode ter alguns tra-ços semelhantes, mas nunca haverá alguém parecido interior e exterior.

Sou uma espécie em extinção.

A única.

Eu,  Rosimeire, cujo nome é comum, mas, cujo conteúdo e fragrância, são total-mente peculiares a mim.
"

E assim se encerra a  primeira parte da minha vida, aquela que era cheia de interrogações e neblina, e se inicia a segunda parte, que, não sei como será, mas pelo menos, estarei segura daquilo que sou.

Rosimeire Leal da Motta
Vila Velha - ES


 

 
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