Morávamos na rua Visconde de Figueiredo, na
Tijuca, num pequeno prédio de cinco andares construído por
papai. Ele, mamãe e meus dois irmãos, Paulo e Carlos, moravam na cobertura que era
espa-çosa
por ocupar o
andar inteiro. O restante do prédio era de apar-tamentos menores de um ou
dois quartos. José Carlos, Andréa e eu morávamos no andar de baixo, isto é,
no quarto andar, num quarto e sala. Vovó Albertina e seus dois filhos homens, Paulo e Pedro, moravam no segundo
andar, num apartamento de dois
quartos.
Muito bem, naquele mês de janeiro, precisamente dia seis, dia de
Reis, vovó faria 80 anos. Que beleza! Combinamos com os parentes e amigos
fazer uma grande festa surpresa para vovó. E tratamos de
todos os preparativos sem que ela percebesse nada.
Docinhos caramelados e fondados foram encomendados numa do-ceira
amiga. Fizemos um cardápio para ninguém botar defeito, com comidas deliciosas e mineiras, pois vovó, como sabem, era
mineira. Lombinho de porco bem tenro, farofa de ovos,
couve mineira, arroz branco com passas, um delicioso tutu de feijão com pimenta a gosto do
freguês...
Para os "pobres citadinos" como vovó nos chamava, pois ela
teve o
privilégio de nascer numa fazenda, fizemos camarão ao curry e
es-trogonofe
de filé mignon, porque era moda na época.
Toda festa que se prezasse tinha
um bom estrogonofe... seja lá do que fosse: frango, carne...
Os salgadinhos e as entradas ficaram por conta de Neusa,
nossa do-méstica de forno e fogão. Empadinhas, rolé de
ameixa com bacon, bolinhos
de bacalhau, bolinhas de queijo, coxinhas de frango,
tudo muito delicioso!
Ah! E tinha também os famosos espetinhos de
rim com bacon à milanesa de
vovó, receita muito apreciada por todos.
A festa correu movimentada e alegre como
sempre. Estava tudo muito
bonito e tiramos inúmeras fotos de todo o pessoal.
Lá pelas 10 horas da noite, o povo já estava um
pouco inquieto querendo comer os doces. Então resolvemos cantar os parabéns e trazer
o bolo
que permanecia escondido em minha casa.
Até aquele momento, vovó não sabia que a
festa era para ela!! To-dos
estavam na moita... e não havia bolo na
mesa... nem doces!! Ela pensava que
era mais uma comemoração qualquer que sempre fazíamos. Qualquer
motivo
servia, porque estávamos acostuma-dos a comemorar o que fosse... Tudo era
pretexto para se reunir e fazer festa!
Arrumamos a mesa redonda de mamãe e fomos trazendo
os doces um
a um. Pudim de laranja, de leite, tortas deliciosas, os
carame-lados e fondados, quindins, bom-bocados, manjar branco com ameixas, rocambole de
doce
de leite, enfim, uma infinidade de coisas doces e
apetitosas!
Paulinho resolveu nos ajudar a trazer o bolo porque era
muito pe-sado. Cláudia, minha prima, e eu, tínhamos enfeitado cada
uma das 80 velinhas
do bolo com um lindo laçarote de fita de seda cor-de-rosa porque
eles sobressaíam nas velas longas e brancas e
fica-ria um belo contraste com o fundo
escuro do bolo. Passamos umas duas horas inteiras dando
laços nas 80 velas!
Ficou belíssimo! Pare-cendo uma caixa
de chapéu antigo, toda branca e rosa!
Pedimos ao Paulinho todo o cuidado possível na hora do transporte. E
o pessoal estava todo a postos, esperando o bolo
passar, posicio-nados pelos
corredores e sala! O disco estava preparado na
vitrola para tocar parabéns para você. Paulinho ia
gritando desde o andar de baixo, anunciando a chegada do bolo.
Eis que de repente ouvimos um grito
muito estranho. Saiam da frente!
O bolo!! O corredor parecia um "corredor polonês", apinha-do de
gente. Nós
todos curiosos queríamos olhar... afinal era
o ápi-ce da festa! E eis que adentra meu irmão, correndo o mais que po-dia, segurando o tão falado bolo com
as duas mãos e... numa laba-reda só!!
Paulo conseguiu passar e chegando correndo, largou o
bolo em ci-ma
da mesa e mais que depressa apanhou uma garrafa da
mão de um dos garçons
que passava. Derramou tudo em cima do bolo apa-gando as labaredas
ao som
de parabéns pra você e muitas pal-mas e assovios. Paulinho
tinha resolvido entrar com o bolo aceso para causar sensação e facilitar nosso trabalho em
ter
que acender tantas velas... Mas o
vento encanado dos corredores abaixo bateu nas fitas e pegou fogo. Um fogaréu
danado de lindo! Ele realmente conseguiu causar sensação nos
convidados... de medo e susto! Muitos até acharam que
havia sido proposital! As chamas chega-vam ao teto. Eram 80 velas
pegando fogo, mas
que foram apaga-das com sucesso! Não pela aniversariante, mas por uma garrafa de
guaraná.
Os presentes foram abertos logo a seguir quando
retirados de trás das cortinas da sala. Muito lindos e delicados,
deixaram vovó com olhos marejados de lágrimas de alegria e surpresa. Ela ficou
extre-mamente emocionada e
feliz com nossa demonstração de afeto, carinho e amor.
Mas as fotos, que deveriam ter ficado esplêndidas...
Descobrimos
depois que alguém desavisado, no intuito de ajudar, abriu a máqui-na de retratos para colocar novo filme, sem
perceber que já tinha um filme dentro!! E lá
se foram 36 poses espetaculares... que fica-ram na lembrança de
todos nós.
Quanto ao bolo, os convidados fizeram
questão de comer assim mesmo, molhado... Estava delicioso e faz
sucesso até hoje!! Todos nós apreciamos BOLO
DE GUARANÁ, receita criada por vovó
basea-da no fato ocorrido em seu aniversário.