Dona Augusta era rabugenta. Não havia outra maneira de descrevê-la.
Outro dia mesmo eu a ouvi dizendo ao síndico do nosso con- domínio, que as crianças fazem muito barulho quando estão a brincar, essa é boa!
Caminhei até a minha casa morrendo de raiva. Minha raiva, entretanto, não durou muito.
Era dezembro e aproximava-se o Natal. Eu transbordava de emoção. Era impossível não rir ou sorrir, eu adoro o Natal.
Após o jantar, nossos pais nos chamaram para uma reunião. Todos nós sabíamos o que seria discutido.
Todos os anos escolhíamos alguém ou uma família para levar- mos,
em segredo, presentes e alimentos a sua casa. É uma das nossas tradições preferidas.
Papai disse: “É hora de decidirmos quem ajudaremos este a- no, alguém tem alguma sugestão?”.
Como nenhum de nós disse nada, papai olhou para mamãe.
Talvez sua mãe tenha uma sugestão. Às vezes ela observa coisas que por nós passam desapercibi- das.
Mamãe sorriu. “De fato, sei de uma pessoa que precisa de nossa
ajuda. Este ano, vamos ajudar a Sra. Augusta” - disse.
Não podia acreditar no que estava ouvindo! - Mamãe! - pro- testei -
Ela não é pobre e nem está doente, e, além do mais, é muito rabugenta!
Mas mamãe continuou: - A Sra. Augusta não teve uma vida fe- liz.
Ela divorciou-se antes de se mudar para cá. Tem filhos e ne- tos,
mas seus filhos nunca vêm visitá-la e ela nem conhece os netos. Não sei qual o motivo, mas sei que ela é solitária e infeliz.
Acho que ela precisa de alguém que lhe diga que é amada.
Olhou para mim e disse: “Acho que você se enganou quando disse que ela não é pobre.
Às vezes é muito mais doloroso ser pobre de amor do que po- bre de dinheiro".
Decidimos que, ao invés de comprar nas lojas os presentes para D. Augusta, faríamos em casa.
Fizemos biscoitos, doces, enfeites de papel e até cordões de pipoca.
Colocamos numa caixa e eu mesma deixei na porta da Sra. Augusta, fugindo em seguida, após ter apertado a campainha, e juntei-me à minha
família que espreitava atrás dos arbus- tos.
A porta se abriu e foi como se um raio de luz se refletisse so- bre o alpendre.
D. Augusta permaneceu lá por alguns instantes. Então se inclinou e leu o seu nome.
Finalmente pegou a caixa e olhou ao redor do jardim. Ela estava sorrindo, mas havia lágrimas escorrendo em seu rosto.
“Obrigada” - exclamou, “Obrigada seja lá quem for”.
Olhei para mamãe e disse, “Acho que ela gostou do nosso presente,
não é?” - “É, eu acho que sim”. No dia seguinte, ao passarmos pela casa de D. Augusta, vi nossos enfeites na janela da frente,
e os cordões de pipoca foram colocados numa árvore de Natal que não estava lá na semana anterior.
“Acho que D. Augusta está ficando mais rica”, disse.
Mamãe parou por um instante, o tempo suficiente para me dar um abraço e dizer: - “Nós também”!
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